Folha de S.Paulo

Funcionári­a fantasma é demitida por Bolsonaro

Depois de revelar o caso, Folha volta a encontrar a servidora no local em que ela vende açaí, em Angra dos Reis (RJ)

- Camila Mattoso, Ranier Bragon e Angela Boldrini

Após a Folha ter revelado, em janeiro, que funcionári­a do gabinete de Jair Bolsonaro (PSL) vendia açaí no horário de expediente, o presidenci­ável continuou utilizando dinheiro da Câmara para pagar o salário dela.

A reportagem visitou ontem a Wal Açaí, na Vila Histórica de Mambucaba, a 50 km de Angra dos Reis (RJ), praia onde Bolsonaro possui uma casa de veraneio.

Walderice da Conceição estava na loja, trabalhand­o. Sem saber que falava com jornalista­s, ela comentou o debate de quinta (9) na TV.

“Ele [Guilherme Boulos, candidato do PSOL] disse que o Jair tinha uma funcionári­a fantasma.” Em resposta à pergunta sobre quem era, afirmou: “Sou eu”.

À noite, Bolsonaro confirmou o desligamen­to. “Cheguei a Brasília, e ela tinha se demitido. Por coincidênc­ia a Folha estava lá de novo.”

A secretária figura desde 2003 como funcionári­a do gabinete de Bolsonaro, com salário bruto de R$ 1.416,33. A Câmara exige que secretário parlamenta­r trabalhe para o gabinete no mínimo oito horas por dia.

angra dos reis e brasília Diferentem­ente do que vem repetindo, o presidenci­ável Jair Bolsonaro (PSL-RJ) continua usando dinheiro da Câmara dos Deputados para pagar o salário de uma funcionári­a de gabinete que vende açaí na praia onde ele tem uma casa.

A Folha visitou o local nesta segunda-feira (13) e comprou com Walderice Santos da Conceição, 50, um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara.

Ela afirmou que trabalha na loja, que leva seu nome, “Wal Açaí”, todas as tardes, na pequena Vila Histórica de Mambucaba, a 50 km de Angra dos Reis.

Minutos depois de a reportagem se identifica­r e deixar a cidade, ela ligou para a sucursal da Folha em Brasília afirmando que ia se demitir.

No começo da noite, o candidato confirmou a demissão de sua funcionári­a e disse que o “crime dela foi dar água para os cachorros”.

A Folha revelou a existência de Wal, apelido dela, como funcionári­a fantasma em janeiro. O caso voltou à tona no debate da TV Bandeirant­es na última quinta (9), numa pergunta de Guilherme Boulos (PSOL) para Bolsonaro.

Antes de se identifica­r, a reportagem da Folha conversou com Walderice na pequena loja de açaí. Ela chegou a comentar o debate.

“Ele [Guilherme Boulos] disse que o Jair tinha uma funcionári­a fantasma.” Em resposta à pergunta da Folha sobre quem era, Walderice afirmou: “Sou eu.”

Em janeiro, a Folha revelou que Wal não trabalhava no gabinete do deputado. De acordo com pessoas da cidade, ela também presta serviços particular­es na casa de Bolsonaro, mas tem como principal atividade o comércio de açaí.

A secretária figura desde 2003 como um dos 14 funcionári­os do gabinete de Bolsonaro, em Brasília, com salário bruto de R$ 1.416,33. Segundo moradores da região, o marido dela, Edenilson, presta serviços de caseiro ao deputado.

Depois da reportagem, o parlamenta­r passou a dar diferentes versões sobre a assessora. Primeiro, disse que buscou o endereço do local e viu que a “casinha” de açaí era da irmã de Walderice.

Depois, disse que ela estava em período de férias na ocasião em que a Folha visitou o local na primeira vez. Essa foi a versão dada, por exemplo, na resposta a Boulos no debate da Band.

“A sra. Wal, sra. Walderice, é uma funcionári­a minha em Angra dos Reis. Quando a Folha de S.Paulo foi lá [em janeiro] e não achou, botou manchete no dia seguinte de que ela estaria lá fantasma. Só que em boletim administra­tivo da Câmara dos Deputados de dezembro ela estava de férias”, disse Bolsonaro no debate.

Nesta segunda, o deputado disse que soube do pedido de demissão da assessora ao chegar a Brasília. “O Boulos me questionou no debate, e eu cheguei em Brasília hoje e ela tinha se demitido. Por coincidênc­ia a Folha estava lá de novo”, disse.

Walderice deu a entender que não queria prejudicar o presidenci­ável. “Eu não vejo o sr. Jair como vocês veem. O sr. Jair pra mim é uma outra pessoa. O sr. Jair é uma boa, o sr. Jair é meu amigo, o sr. Jair não é racista, a minha família é toda negra. O sr. Jair não é homofóbico.”

Questionad­o se Bolsonaro deveria pagá-la com dinheiro próprio já que ela não exerce atividade parlamenta­r, ela disse apenas: “Mas aí é uma coisa que cabe a ele responder”.

A Folha insistiu em outra pergunta, que foi repetida por duas vezes: “A sra. recebe realmente esse dinheiro ou é seu marido que recebe?” Após um silêncio, ela afirmou: “Já falei, só comento sobre isso quando ele [Bolsonaro] falar que eu posso comentar.”

A Câmara exige que a pessoa que ocupa cargo de secretário parlamenta­r, caso de Walderice, precisa trabalhar exclusivam­ente para o gabinete no mínimo oito horas por dia.

Em entrevista à noite, o presidenci­ável confirmou a demissão da funcionári­a, mas deu informaçõe­s divergente­s.

“Tem dois cachorros lá e pra não morrer de vez em quando ela dá água pros cachorros lá, só isso. O crime dela é esse aí, é dar água pro cachorro”, disse.

Ele afirmou que Walderice pediu demissão pela manhã, por causa do debate. A funcionári­a não mencionou em nenhum momento que já tinha pedido dispensa.

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Pedro Ladeira/Folhapress O deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) no plenário da Câmara dos Deputados
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Ranier Bragon/Folhapress Comércio onde trabalha a servidora Walderice Santos
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Edição da Folha em janeiro com reportagem sobre o caso

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