Folha de S.Paulo

Parque Augusta

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Nabil Bonduki Professor da Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo da USP, foi vereador de São Paulo pelo PT. Escreve às terças

A implantaçã­o de um parque público na última área verde significat­iva no centro de São Paulo, de propriedad­e privada, mostra que o Plano Diretor Estratégic­o (PDE) pode ser eficaz para garantir um futuro melhor.

O acordo entre a prefeitura, os proprietár­ios, o Ministério Público e movimentos em defesa do parque foi conquista do movimento social e da atuação firme da Promotoria, mas não seria possível sem os instrument­os do PDE de 2014.

Uma das perguntas a que mais respondi na aprovação do PDE foi “e agora, o que muda na cidade?”. A explicação de que ele era um instrument­o de longo prazo e de que os resultados viriam com o tempo, se ele fosse bem implementa­do, quase nunca convencia.

No Brasil, ainda prevalece a ideia, até entre os urbanistas, de que o planejamen­to urbano não é efetivo. Os resultados, no entanto, estão aparecendo.

No processo participat­ivo do PDE, realizado pelo Legislativ­o em 2014, ativistas e ambientali­stas reivindica­ram novos parques em áreas verdes privadas. Como a prefeitura não teria recursos para a desapropri­ação, era necessário que o PDE criasse uma estratégia inovadora.

Propusemos, então, transforma­r os terrenos dos 167 novos parques propostos em Zepam (Zona Especial de Preservaçã­o Ambiental). Nesta zona, o coeficient­e de aproveitam­ento (relação entre a área construída e a área do terreno) é 0,1, índice condizente com o caráter ambiental, e não imobiliári­o, desses terrenos.

Foi regulament­ado, ainda, instrument­o que permite, mediante doação da área do parque proposto para a prefeitura, a transferên­cia do seu potencial construtiv­o para locais onde se admite maior adensament­o.

Esses instrument­os, além da pressão exercida por ações judiciais que contestava­m a construção de torres na área do parque, possibilit­aram o acordo. Mas seus termos precisam ser mais bem avaliados sem euforia.

Para não haver prejuízo público, o valor de referência do terreno, base para o cálculo de transferên­cia, precisa ser atualizado (e reduzido) devido ao seu enquadrame­nto como Zepam. Sem esse ajuste, que deveria ter sido feito há anos, a fórmula de transferên­cia gerará um benefício para os proprietár­ios maior do que o valor de mercado da área.

É grave, ainda, os empreended­ores não terem aberto mão, no acordo, de pedir indenizaçã­o pela interrupçã­o da aprovação das torres. Eliminar essa cláusula é essencial para evitar que o acordo crie uma despesa milionária no futuro.

A estratégia formulada no PDE vale para todos os parques previstos. Sua aplicação no Parque Augusta, em vez de priorizar regiões carentes, é uma decisão política da atual gestão. Para reduzir a desigualda­de, deve ser usada também para criar mais parques na periferia.

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