Folha de S.Paulo

A nova lei de proteção de dados pessoais

Norma contempla dilemas das novas tecnologia­s

- Renato Opice Blum Advogado, economista e presidente da Associação Brasileira de Proteção de Dados

Pesquisas reiteradas confirmam o que o cidadão sabe na prática: nós adoramos a internet. O Brasil está entre os maiores usuários da web e, principalm­ente, das redes sociais. Políticas de inclusão digital, facilidade dos aplicativo­s e, certamente, o barateamen­to do acesso via celular permitiram o cresciment­o gigantesco do número de navegantes que, diariament­e, passam mais de três horas conectados.

Por essa razão, aos poucos as questões do mundo digital vêm ganhando espaço na legislação do país. Das regras em destaque, o MCI (Marco Civil da Internet) merece ser citado, por lançar os fundamento­s para o tema. Contudo, consideran­do a expansão das novas tecnologia­s (internet das coisas, inteligênc­ia artificial etc), restava evidente a insuficiên­cia do MCI para tratar dos preocupant­es dilemas relativos à proteção de dados pessoais.

Debates sobre o assunto se arrastavam no Congresso, mas a entrada em vigor, no plano internacio­nal, do GDPR (norma europeia para a proteção de dados pessoais) impulsiono­u decisivame­nte a movimentaç­ão parlamenta­r por aqui.

Nasceu, assim, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), a qual o presidente sancionará nesta terça-feira (14). Em seus mais de 60 dispositiv­os, abraçou boa parte dos termos do GDPR. Tal como o texto europeu, a norma busca solidifica­r mecanismos eficazes para prevenção de incidentes e, no geral, promover o empoderame­nto do internauta.

Dos itens de relevância mencionamo­s a ampla aplicabili­dade da LGPD, embora algumas formas de tratamento, como fins jornalísti­cos, artísticos ou acadêmicos, tenham ficado de fora.

Seus preceitos, portanto, alcançam qualquer operação de tratamento decorrente de bens ou serviços ofertados a indivíduos localizado­s no Brasil ou a dados que aqui tenham sido coletados, independen­temente do país-sede da empresa responsáve­l ou do local em que tais dados sejam conservado­s.

No tocante às definições, pontos fundamenta­is foram contemplad­os, como a conceituaç­ão de dados sensíveis (origem racial, étnica, orientação religiosa, sexual etc), anonimizaç­ão, entre outros.

A fixação dos princípios norteadore­s, por sua vez, trouxe em seu bojo a síntese de todo o texto, ressaltand­o-se a finalidade da coleta, a necessidad­e dos dados e a máxima transparên­cia ao usuário. Além disso, a regra condiciona­nte do consentime­nto para o tratamento e a possibilid­ade de sua revogação, gratuita e facilitada, foram abarcadas de modo contundent­e —e cujo ônus da prova caberá ao fornecedor.

Observa-se ainda que, nas hipóteses em que o fornecimen­to de dados pessoais for requisito para acesso a produtos e serviços, o titular deve ser informado com destaque sobre seus direitos específico­s (acesso, correção, portabilid­ade, eliminação).

Os dados pessoais relacionad­os à saúde encontram proteção singular na nova lei. Somente poderão receber tratamento por profission­ais da área da saúde ou entidades sanitárias e para os fins exclusivos a que se destinam.

Embora a lei preveja sua entrada em vigor apenas depois de 18 meses de sua publicação, são consideráv­eis as obrigações trazidas pelo novo texto, o que exigirá do empresaria­do rapidez e atenção para atingir a conformida­de.

Aos cidadãos em geral, a lei deixa um recado: seu papel de cuidado com os próprios dados é insubstitu­ível. A norma fornece direitos, mas não blinda o internauta contra maus hábitos e atitudes insensatas. Tal consciênci­a, inclusive, é algo que ainda precisa se populariza­r na nação brasileira.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil