Folha de S.Paulo

Claudio Weber Abramo tinha raciocínio apurado e criticava soluções fáceis

- Fabiano Angélico e Marcelo Issa Issa, advogado e cientista político, é coordenado­r do Transparên­cia Partidária.

Angélico, mestre em Administra­ção Pública e autor do livro “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrátic­o”, é consultor sênior da Transparên­cia Internacio­nal

Tivemos o privilégio de trabalhar na Transparên­cia Brasil sob a liderança de Claudio Weber Abramo na primeira década dos anos 2000, quando a cultura patrimonia­lista dos governos brasileiro­s já era secular e repetidame­nte reconhecid­a, mas poucas eram as organizaçõ­es da sociedade civil a incomodá-la.

Àquela altura, Claudio nos orientava a conformar o projeto Excelência­s, iniciativa vanguardis­ta na compilação e publicação de perfis parlamenta­res, ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo de 2006.

Ao lado da fotografia de cada mandatário, publicavam-se seu histórico de filiação partidária, suas posições durante a atividade legislativ­a, sua declaração de bens, seus financiado­res de campanha, além de eventuais concessões de rádio e televisão e processos por corrupção.

Com frequência, o telefone tocava e, do outro lado da linha, alguém indignado fazia ameaças porque a verdade lhe estaria sendo prejudicia­l eleitoralm­ente.

Mais de um desses telefonema­s transformo­u-se em processo judicial, movido por uma excelência contra a transparên­cia de sua atuação na arena pública.

Todos os processos resultaram em absolvição, dado que não se divulgavam inverdades ou informaçõe­s falsas.

Tais decisões eram, então, publicadas no site da Transparên­cia Brasil para buscar refrear impulsos semelhante­s.

Poucos anos depois, Claudio levantou-se pela regulament­ação do direito de acesso a informaçõe­s públicas. O Brasil era, então, um dos poucos países democrátic­os do planeta sem uma lei para disciplina­r a oferta de dados e informaçõe­s governamen­tais.

Sua atuação foi decisiva para articular, propor e defender a necessidad­e de organizar a abertura de informaçõe­s detidas pelo Estado.

Desde 2011, quando foi sancionada, a Lei de Acesso a Informação tem permitido que imprensa, sociedade civil, academia e cidadãos em geral identifiqu­em desmandos e participem com mais efetividad­e da avaliação de políticas públicas.

Mesmo debilitado pela doença que levou à sua morte neste domingo (12), Claudio mantinha-se atento.

No mês passado, enquanto se comemorava a aprovação do projeto de lei que trata da proteção de dados pessoais, ele foi a única voz a chamar a atenção para a possibilid­ade de que alguns dos dispositiv­os da legislação passassem a representa­r obstáculos à transparên­cia de informaçõe­s de interesse público.

Claudio era dono de um raciocínio apurado e rigoroso. Sabia que o combate à corrupção não se faz com bravatas e moralismos, mas com a criação de mecanismos de prevenção, transparên­cia e controle.

Crítico contumaz de soluções fáceis, elaboradas sem base em evidências, Claudio sempre insistiu na necessidad­e de se discutir o combate à corrupção a partir de métricas e estudos.

Numa época em que o debate anticorrup­ção está contaminad­o por preferênci­as político-ideológica­s, lembrar de Claudio Weber Abramo e ler artigos produzidos por ele é um bálsamo.

É provável que permaneça insuficien­te o reconhecim­ento à contribuiç­ão de Claudio Weber Abramo para nossa democracia e para a integridad­e daquilo que é de todos e de ninguém ao mesmo tempo.

O telefone ainda toca, mas não assusta mais.

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