Folha de S.Paulo

Nenhum ‘brexit’ satisfará britânicos, diz autor de livro sobre separação

Para Anand Menon, falta consenso com a UE para qualquer proposta, e impacto será enorme

- Daniel Buarque Sebastien Nogier-3.ago.18/Associated Press

Dois anos após o plebiscito que decidiu pela saída britânica da União Europeia, o Reino Unido parece ainda mais fragmentad­o. Incapaz de chegar a um acordo sobre o formato do “brexit”, o país se afunda em um processo confuso e incerto para o divórcio.

“Não há chance de consenso”, diz à Folha Anand Menon, diretor do centros de pesquisa UK in a Changing Europe, um dos principais a estudar o impacto do “brexit”. Segundo ele, qualquer resultado alcançado em março de 2019, prazo para a saída, deixará muitos britânicos insatisfei­tos.

Professor de política europeia no King’s College London, Menon escreveu “Brexit and British Politics”, de 2017.

A primeira-ministra Theresa May está sob forte pressão mesmo dentro do seu governo por causa do “brexit”. Isso dará fim a seu governo?

Não há chance de consenso sobre o “brexit”. A questão é saber se ela conseguirá votos para aprovar o acordo. Embora os defensores do “brexit duro” a pressionem, porém, também é improvável que eles obtenham apoio suficiente. Quando renunciou, em julho, o ex-chanceler Boris Johnson disse que “o sonho do ‘brexit’ morreu”. Mas as negociaçõe­s continuam. A visão que ele tinha pode ter morrido, mas há várias versões de “brexit”, e esse é um dos problemas. May está trabalhand­o para cumprir o prazo, e, por mais que muita coisa ainda possa ocorrer, a saída continua a ser o resultado mais provável.

Qual o “brexit” provável?

Não sei. Sem maioria clara no Parlamento, é muito difícil prever. Minha impressão é que May fará mais concessões à UE do fez que no plano já apresentad­o. O problema é saber se o Parlamento vai aceitá-las. Não parece haver maioria para aprovar nenhuma das saídas: a saída sem acordo; o “brexit suave”; o “brexit duro”.

Esta incerteza parece contaminar a sociedade. Há vários lados nas negociaçõe­s, então é mais complicado do que as pessoas esperavam. E nenhum modelo prevalece. As decisões políticas estão sendo contestada­s dentro do governo, do parlamento e até dentro dos partidos. E, claro, tudo tem que ser aceito pela UE. Desde o plebiscito, o ‘brexit’ tem sido avaliado como reflexo da polarizaçã­o política em curso em vários países. Pela sua descrição, contudo, a fragmentaç­ão é múltipla. Sim. Qualquer que seja o resultado, a maioria das pessoas ficará insatisfei­ta. Assim como o Parlamento, a sociedade está fragmentad­a. Quando falamos das divisões da sociedade, porém, eu diria que a questão vai além do “brexit”: a divisão esquerda-direita foi atravessad­a por um cisma entre os socialment­e mais liberais e os menos, pessoas abertas ou fechadas ao mundo. Foi isso que esteve por trás do voto no “brexit”, ainda que o processo

aqui difira de outros países.

Qual é a diferença?

A forma do processo político. A França é tão dividida quanto o Reino Unido, mas porque o sistema político deles não favorece os extremos [há segundo turno eleitoral], o país acaba parecendo equilibrad­o e liberal. Aqui tivemos um referendo em que todo voto pesa.

O ex-premiê Tony Blair [19972007] tem defendido um novo plebiscito. É viável?

Qualquer coisa é possível com o “brexit”. Não acho que outro plebiscito seja a saída mais provável, mas não é impossível. Só não sei como isso diminuiria as divisões políticas —elas poderiam até crescer.

Temos debatido o curto prazo. Como será a política britânica em 2028?

Quase tudo depende do que ocorrer no próximo ano. A natureza do “brexit”, as reações a ele, e o processo de saída ditarão o futuro. Além disso, a política está mudando muito aqui. É muita coisa ao mesmo tempo.

O plebiscito vai se consolidar como um momento-chave da história?

Certamente. O plebiscito em si já bagunçou a política, embaralhou linhas partidária­s e gerou muita amargura. E o divórcio mudará nossa economia profundame­nte.

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May trata do ‘brexit’ em visita ao francês Emmanuel Macron

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