Folha de S.Paulo

Fora do padrão, italiano Sarri tenta vingar no sempre instável Chelsea

Treinador de 59 anos chega ao rico futebol da Inglaterra após bons trabalhos em clubes da Itália

- Rory Smith Toby Melville - 5.ago.18/Reuters The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

stia (itália) A estrada sobe de Faella, no vale do rio Arno, na Itália, para o alto das colinas, passando pelas vinhas alinhadas com precisão militar e pelos pomares de oliveiras, até que chega aos bosques, densos, escuros e selvagens.

Em Consuma, ponto mais elevado, a vista se abre e permite ver Chianti, a oeste, Arezzo, ao sul, e Florença, ao norte.

Consuma não é o ponto final da jornada. Depois de mais uma hora, incontávei­s curvas sinuosas na estrada ladeada por ciprestes esguios, a rota desce para a aldeia de Stia, de telhados de terracota aninhados em um oceano de verde.

O campo de futebol, à margem do rio e protegido por uma cerca de arame, é a primeira coisa que o visitante vê.

Por mais de um ano, Maurizio Sarri fez esse percurso.

Ele costumava fazê-lo depois de trabalhar o dia inteiro, saindo de Faella às 17h e chegando bem tarde em casa no retorno. Era comum que desse carona a outras pessoas que viviam nas cidadezinh­as modorrenta­s que se espalham pelo vale do Arno, para dividir o custo da gasolina.

No sábado (11), Sarri, 59, dirigiu o Chelsea pela primeira vez no Inglês, na vitória por 3 a 0 sobre o Huddersfie­ld.

O italiano é o 13º treinador a comandar o clube desde que o impaciente Roman Abramovich assumiu o controle em Stamford Bridge, e está longe de ser o único a não ter feito sucesso como jogador.

De seus predecesso­res, mais ou menos o mesmo pode ser dito sobre Mourinho, André Villas-Boas e Rafael Benítez.

É verdade que Sarri é um pouco mais velho que a maioria de seus pares. Ainda que não seja um ancião, ele teve de esperar muito por uma chance na elite do futebol.

Tinha 55 anos quando comandou seu primeiro time na Série A italiana, o Empoli, e 56 quando conseguiu sua chance em um grande time, o Napoli, para o qual ele torcia, de longe, quando criança.

Pode-se dizer que existem três caminhos para se tornar treinador na elite do futebol: como ex-jogador (Pep Guardiola); iniciando por uma escola e subindo devagar (Benítez); ou como auxiliar de um técnico respeitado (Mourinho). Com Sarri foi diferente. Ele trabalhava no futebol amador em parte de seu tempo, enquanto mantinha emprego como administra­dor de patrimônio em bancos.

Sarri conta que alguns de seus críticos costumavam chamá-lo de “o funcionári­o”, simplesmen­te por ter tido um emprego que não o futebol.

É esse caminho heterodoxo, porém, que definiu Sarri.

E foi em todos aqueles lugares espalhados pelo vale do Arno, parte da Toscana das brochuras de turismo e das fantasias românticas, que Sarri desenvolve­u seu estilo singular, que o respeitado Arrigo Sacchi, antigo treinador do Milan, definiu como “imediatame­nte reconhecív­el”.

Sarri sempre disse que não “se sente” toscano, e sim que é toscano. No futebol globalizad­o e sem raízes, ele é fruto de onde veio e viveu.

Vanni Bergamasch­i, antigo colega de equipe de Sarri e o homem responsáve­l por colocá-lo no caminho de uma carreira como treinador, define o trajeto do amigo pelos times pequenos da Toscana como um “calvário”: uma jornada lenta, tortuosa, difícil, mas que ajudou a formá-lo.

Stia foi o primeiro passo. “Ele veio para cá como jogador, em 1990”, disse Bergamasch­i, 60. “Era zagueiro. Naque- O treinador comandou diversas equipes de divisões inferiores na Itália antes de levar o Empoli à Série A, em 2013. Permaneceu de 2012 a 2015 no clube. Depois, assumiu o Napoli (20152018), sua primeira grande equipe. Não possui título de expressão em seu currículo le ano, o técnico não era muito bom e o clube decidiu que queria mudar. Eu era o capitão, e sugeri ele”.

Sarri não parecia muito convencido. “Ele me perguntou se eu achava que devia aceitar”, diz Bergamasch­i. “Eu respondi que ele pelo menos conhecia todos nós”. Sarri disse sim ao convite e prosperou.

A imagem de Sarri na Itália é a de um sujeito excêntrico, que fuma sem parar e lê Bukowski. Ele ganhou o apelido de Mister 33, supostamen­te o número de jogadas ensaiadas que ensina aos jogadores, batizadas com o nome de membros da comissão técnica.

Ele diz que na realidade só tem cerca de meia dúzia de jogadas ensaiadas.

No seu quinto emprego como treinador, no Tegoleto, ele decidiu que se demitiria do banco e se dedicaria ao futebol em tempo integral.

No Sangiovane­se, 13 anos depois de começar como treinador, ele enfim encontrou “um projeto realmente sério”, de acordo com Francesco Baiano, um de seus comandados.

Baiano e Bergamasch­i o definem como “maniacale” (maníaco) em sua abordagem quanto ao futebol.

Foi isso que o levou do Stia à Série A e ao Napoli, e, em seguid, ao Chelsea.

Bergamasch­i fez 60 anos em 1º de junho. Ele e Sarri não vinham mantendo muito contato nos últimos anos, mas Sarri ligou para o amigo em seu aniversári­o e eles passaram alguns minutos falando sobre o tempo em que trabalhara­m juntos em Stia, sobre o campinho ao lado da ponte, sobre aquela pequena cidade no vale onde a longa estrada termina e a jornada começou.

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O técnico italiano Maurizio Sarri, 59

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