Folha de S.Paulo

Zoeira com os brancos faz a plateia gargalhar no stand-up ‘Coisa de Preto’

Seis humoristas negros lotam teatro em SP na primeira apresentaç­ão; grupo fará shows mensais

- Ivan Finotti

são paulo “Boa noite, força black! Sejam bem-vindos ao primeiro ‘Coisa de Preto’.” O apresentad­or não estava sendo retórico ao dar as boas vindas para a força black na noite de sexta (10). A maior parte das 325 pessoas que encheram o teatro da escola Sir Isaac Newton, na zona norte de São Paulo, era mesmo negra.

De brancos, alguns gatos pingados, o iluminador e o sonoplasta, a primeira “vítima” das piadas: quando o microfone reverberou, o primeiro dos seis comediante­s do stand-up, o Gui Preto, já mandou um “Quem está no som? Tinha que ser branco, né?”.

E foi assim o tom, para gargalhada­s gerais, inclusive dos brancos: “Ver vocês assim, em minoria, dá uma vontade de colocar num navio...” ou “Vamos dançar um samba, fazer um batuque, colocar um branco num tronco...”.

Edson Duavy começou com uma linha mais sexista, lembrando da diferença das anatomias íntimas. Mas logo chegou ao assunto da noite. “Galera, quando eu fizer o sinal, arrastão!”, mostrando que a brincadeir­a também era sobre eles mesmos.

“A gente sofre muito preconceit­o: na escola, eu ouvia ‘vai pro quadro, negro’. Depois, no escritório, me ofereciam ‘quer cafezinho, preto?’. E quando meu carro quebra, na mecânica eles falam assim: pega lá, ô macaco. Assim já é demais!”

Apesar de serem seis comediante­s, e ao final mais três subirem para números relâmpago, os shows individuai­s duraram entre 10 e 15 minutos, não cansando a plateia. O “Coisa de Preto” vai ser um espetáculo itinerante mensal.

O próximo local e data devem ser definidos nesta semana e serão divulgados no Instagram @coisadepre­tto.

Thiago Phernandez, o idealizado­r do projeto, brincou com problemas de gravidez da namorada e, ao final, refletiu sobre preconceit­o: “Alguns dizem que, para acabar com o racismo, é preciso acabar com o sistema de cotas. Outros, que é preciso parar de falar tanto nesse assunto. Eu não sei... Mas acho que já já vão dizer que para acabar mesmo com o racismo vão ter que acabar antes com os negros”.

O que se pode criticar aqui é a falta de uma melhor interação entre os artistas: três deles contaram histórias sobre gravidez indesejada, tornando o assunto déjà-vu.

A única garota do show, Bruna Braga, descreveu-se como um frigobar de hotel por ser baixinha, larguinha e sempre caber comida dentro. Com discurso inteligent­e e extremamen­te chulo, foi logo avisando que passa por transtorno­s como síndrome de pânico “y otras cositas más”.

Por causa desses distúrbios todos, ela conta: “Comecei a comer tinta quando estava na escola. Minha mãe ficou louca. Mas se ela soubesse dos caras com que saio hoje —e basta me pagar um lanche—, saberia que tinta é uma das melhores coisas que já coloquei na boca.”

O penúltimo foi o famoso da turma, o Casseta & Planeta Helio de la Peña. Contou de suas aventuras em seu condomínio no Leblon, que é tão seguro que o porteiro barra ele, e só ele, é claro, toda noite. “E desde a faculdade os porteiros me encaminham para a entrada de serviço. Tudo bem. Quando comprei meu apartament­o, eu caprichei: fiz uma entrada de serviço de luxo! Com Vidrotil e tudo.”

O sexto foi o também carioca Yuri Marçal, que descreveu ter ido para a praia com a família, em Búzios, onde um senhor puxou os chinelos temendo ser roubado. “Tinha meus próprios chinelos, caramba! E ele estava cor-derosa por causa do sol. Gente rosa deveria sofrer racismo.”

“Eu estou viciado em zoar gente branca. É um caminho sem volta. Tanto que o Facebook me censurou por uma piada contra branco. Mas eu não sou racista, gente. Tenho amigos brancos, OK? E minha empregada é branca, me criou desde moleque!”

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Karime Xavier/Folhapress Helio de la Peña em sua apresentaç­ão, na noite de sexta (10), em que conta ser barrado toda noite em seu condomínio no Leblon

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