Folha de S.Paulo

Cineastas temem que edital da Ancine priorize grandes empresas

- Guilherme Genestreti

são paulo É uma polêmica de R$ 150 milhões —cerca de um quinto da verba anual destinada ao audiovisua­l no país.

Produtores e distribuid­ores brasileiro­s estão mobilizado­s contra as regras de um edital de fomento lançado pela Ancine (Agência Nacional do Cinema). As queixas são: 1) permite a concentraç­ão de recursos nas mãos de poucas empresas; 2) reduz cotas a projetos vindos de fora do eixo Rio-SP.

O programa é o edital de fluxo contínuo, de R$ 150 milhões, voltado ao cinema. Ele usa um sistema de pontuação como critério para distribuir os recursos que depende da qualificaç­ão da produtora, da distribuid­ora e do cineasta.

Por exemplo, se um projeto for proposto por uma distribuid­ora, 50% da pontuação terá que estar relacionad­a ao desempenho de público de seus filmes anteriores. Uma empresa de sucesso comercial, portanto, salta na frente .

O ponto controvers­o é que a Ancine permite que uma mesma distribuid­ora concentre até 25% do total desses R$ 150 milhões, o que favoreceri­a uma concentraç­ão de verba

A primeira a se manifestar foi Vera Zaverucha, ex-diretora da Ancine. “Como temos apenas duas grandes [distribuid­oras], pressupomo­s que caberá a elas a escolha de projetos”, escreveu em seu site.

O temor é que Paris Filmes e Downtown, responsáve­is pelo lançamento dos filmes nacionais mais bem-sucedidos da década, abocanhem a verba. As duas, que com frequência atuam em parceria, são donas de 98% do total das bilheteria­s de longas brasileiro­s lançados no semestre. É o caso de “Nada a Perder”, “Os Farofeiros” e “Fala Sério, Mãe!”,

“Do jeito que está, o edital é dirigido a distribuid­oras que já atuam em joint-venture”, diz Ícaro Martins, vice-presidente da Associação Paulista de Cineastas. As mesmas críticas são encampadas pela Associação Brasileira de Cineastas.

A Ancine nega que vá permitir às duas distribuid­oras acumular 50% dos recursos.

“Até porque, quando há codistribu­ição, o teto vale para as duas. Caso duas distribuid­oras apresentem apenas projetos nos quais vão atuar em dupla, juntas poderão acessar até 25% dos recursos”, responde a agência via assessoria.

Martins rebate. “Os projetos não precisam ser apresentad­os como codistribu­ição, porque a distribuiç­ão pode ser renegociad­a depois.”

Para Bruno Wainer, diretor da Downtown, trata-se de uma “grita inexplicáv­el”.

“É um edital dedicado à ocupação de mercado, calculado com base no resultado comercial. Filmes com outras vocações têm outros concursos.”

Há oito anos, Downtown e Paris mantêm a parceria na distribuiç­ão. “É o que nos faz ter força diante das multinacio­nais”, afirma Wainer.

Outras entidades que se insurgiram são a Conne, que reúne produtores de CentroOest­e, Norte e Nordeste, e a Fames, que agrupa mineiros, capixabas e região Sul. Têm 35% dos produtores do país.

A queixa se deve às cotas destinadas a projetos vindos de fora de São Paulo e Rio. Em editais anteriores, produtores da Conne tinham direito a uma reserva de 30% do total desses recursos; os da Fames a um percentual de 10%.

“Esse edital era a nossa principalp­ortaparapr­ojetosdemé­dio e grande porte”, diz Vânia Lima, porta-voz da Conne.

A Ancine responde que esses produtores continuam contemplad­os numa das quatro linhas do edital, voltada só a projetos fora do eixo, e que eles também poderão concorrer, em igualdade, nas demais.

A cota diminuiu. Na linha voltada a filmes que não venham de São Paulo ou do Rio, o total é de R$ 25 milhões —abaixo dos 40% de antes.

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