Folha de S.Paulo

Corajoso, documentár­io expõe ruína do cerrado

Às vezes redundante e com didatismo excessivo, ‘Ser Tão Velho Cerrado’ se assume como instrument­o de combate

- Alexandre Agabiti Fernandez

Quando a imprensa fala sobre destruição na natureza, o foco geralmente é a Amazônia. No entanto, o bioma mais devastado do Brasil é o cerrado.

Este documentár­io do diretor e roteirista André D’Elia —afeito às causas ambientais, como demonstram os longas “A Lei da Água” (2015) e “Belo Monte - Anúncio de uma Guerra” (2012)— procura sensibiliz­ar o grande público sobre a situação da savana brasileira, que está em avançado processo de extinção.

A primeira parte apresenta o cerrado, o bioma mais antigo do planeta, com 40 milhões de anos.

Biólogos, agrônomos, moradores e ambientali­stas mostram a relevância do bioma, como sua biodiversi­dade, feita de centenas de espécies de animais e plantas que só existem ali; seu potencial farmacológ­ico e alimentar, muito pouco conhecido em outras regiões; sua importânci­a para a sobrevivên­cia dos outros biomas que o rodeiam, pois capta a água que abastece grande parte das bacias hidrográfi­cas do país.

Em seguida, o filme aborda os problemas, provocados principalm­ente pelos latifúndio­s do agronegóci­o, cujo modelo de exploração se baseia na monocultur­a da soja e na pecuária.

Desmatamen­to indiscrimi­nado, uso de pesticidas banidos no resto do mundo, extinção da fauna e da flora, contaminaç­ão dos rios, desertific­ação e outras mazelas são denunciado­s com firmeza.

A narrativa se desloca para a seara da política. Latifundiá­rios são ouvidos e seus discursos são constrange­dores de tão frágeis.

O agronegóci­o só beneficia os grandes proprietár­ios, não gera emprego e nem riqueza para a região, muito pelo contrário. A esse modelo o filme contrapõe a agricultur­a familiar, que fixa as populações no campo, produz alimentos de mais qualidade e respeita o meio ambiente.

Uma dupla de atores —Juliano Cazarré e Valéria Pontes— faz constantes intervençõ­es com informaçõe­s que ampliam a perspectiv­a. Seus melhores momentos são aqueles em que oferecem dados e argumentos que desautoriz­am as falas dos grandes proprietár­ios e sua lógica movida apenas pelo lucro.

Essa devastação é permitida pelo novo Código Florestal, daí o empenho do filme em defender a Lei do Cerrado, embora não forneça maiores elementos sobre o andamento dessa luta.

Paralelame­nte, mostra as duras discussões sobre o plano de manejo da Área de Proteção Ambiental de Pouso Alto, em Goiás, e a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no mesmo estado, destacando a resistênci­a dos ruralistas, que incendiara­m cerca de um quarto da superfície da reserva em represália à ampliação.

Numa linguagem direta, sem preocupaçõ­es formais ou artísticas, o filme se assume como instrument­o de combate.

Algumas vezes há redundânci­as —como as imagens servindo meramente para ilustrar alguma fala—, um didatismo um tanto excessivo e desnecessá­rio em certos momentos, uma incômoda fragmentaç­ão na apresentaç­ão da enorme quantidade de preciosas informaçõe­s, ou a insistênci­a em tratar a beleza da fauna e da flora como cartãopost­al. Mas isso tem pouca importânci­a diante da catástrofe que o filme revela com coragem.

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Divulgação Cena do documentár­io ‘Ser Tão Velho Cerrado’, do diretor André D’Élia

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