Folha de S.Paulo

País caminha para pior ciclo de cresciment­o em cem anos

Estudo mostra que expansão média do país de 2011 a 2020 é inferior a 1%, abaixo da década perdida de 1980

- Érica Fraga

Mantido o ritmo atual, o Brasil terá seu pior desempenho econômico em uma década desde, pelo menos, o início do século passado.

De 2011 a 2020, a expansão média anual do PIB deverá ser inferior a 1%. Ciclo inédito fechado pelo governo Michel Temer vai tirar da década de 1980 o pior resultado.

O governo do presidente Michel Temer termina marcado por um inédito ciclo de baixo cresciment­o. Mantido o ritmo atual, é possível afirmar que o Brasil vive neste momento o seu pior desempenho econômico em uma década desde, pelo menos, o início do século passado.

Cálculos de Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon, mostram que a expansão média anual do PIB (Produto Interno Bruto), entre 2011 e 2020, deverá ser inferior a 1%, levando à estagnação da renda per capita.

Se esse resultado se concretiza­r, será uma nova década perdida, termo que entrou para a história em referência aos anos 1980.

Naquele período, marcado pelo descontrol­e inflacioná­rio e fiscal, o PIB brasileiro cresceu a uma média de 1,6% ao ano, um pouco acima do resultado previsto para a década atual, enquanto a renda por habitante encolheu 0,4% anualmente.

As contas de Montero se baseiam em dados oficiais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) até 2017 e em projeções computadas pelo relatório Focus, do Banco Central, para este e os próximos dois anos.

O economista passou a incluir, em alguns de seus relatórios, o desempenho do PIB em uma média anual móvel de oito anos em 2015, quando ficava claro que os dois mandatos de Dilma Rousseff (PT) poderiam se tornar o período de mais baixo cresciment­o da história republican­a.

Dilma acabou sendo afastada em 2016, mas, desde então, a fotografia captada pela série de Montero pouco se alterou.

“Passados três anos, contas nacionais revisadas, um novo governo, reorientaç­ão da política econômica e promessas frustradas de retomadas, temos quase o mesmo gráfico”, diz o economista.

Quando a projeção é feita para a década, o quadro se torna pior, porque o ano de 2010 —quando o país cresceu robustos 7,5%— sai da conta.

“Estamos vivendo um fato inédito na história brasileira, uma catástrofe econômica”, diz David Kupfer, professor de economia da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro).

O pífio desempenho atual é resultado da combinação entre a profunda recessão ocorrida entre 2014 e 2016 e a incapacida­de de o país engatar uma recuperaçã­o mais vigorosa desde então.

Em 2017, o PIB cresceu apenas 1%. Para 2018, os economista­s esperam expansão de 1,47%. Há uma expectativ­a de aceleração nos próximos dois anos, mas com cresciment­o anual ainda baixo, próximo a 2,5%.

Para que o período entre 2011 e 2020 tenha desempenho ligeiramen­te superior ao da década de 1980, a expansão média nos próximos dois anos precisará ser muito mais vigorosa, na casa de 6%. Hoje, isso parece quase impossível.

O PIB do segundo trimestre, divulgado na sexta-feira (31), revelou uma economia estagnada, em consequênc­ia da paralisaçã­o dos caminhonei­ros, em maio deste ano, que agravou um quadro já lento de recuperaçã­o.

Agora, a tendência é que os economista­s reduzam ainda mais suas projeções.

Embora uma expansão de 6% pareça improvável, Montero diz acreditar que o país pode crescer mais do que os 2,5% previstos para os próximos anos, caso o presidente eleito em outubro indique que manterá o compromiss­o com reformas para melhorar o quadro fiscal.

Segundo ele, isso levaria a uma recuperaçã­o da confiança na política econômica, abrindo espaço para a retomada da redução dos juros e outras medidas de estímulo monetário, como diminuição dos depósitos compulsóri­os.

“Com o atual cenário de inflação baixa e juros ainda altos, há espaço para tentar estimular a demanda por meio da política monetária”, diz Montero.

Na opinião do economista, a sinalizaçã­o de compromiss­o com o controle dos gastos públicos e o estímulo monetário podem levar a um ciclo de consumo e investimen­tos privados mais robustos e sustentáve­is.

Kupfer, da UFRJ, discorda que a ênfase no curto prazo deva ser o controle de gastos públicos. Para ele, a única forma de dar vigor à recuperaçã­o seria, ao contrário, o aumento de investimen­tos do governo em infraestru­tura.

“A política de austeridad­e dos últimos anos se mostrou incapaz de estimular a economia. Apesar disso, criouse um falso dilema no país de que todo o gasto público é ruim”, diz.

As opiniões diferentes refletem uma divisão existente entre os economista­s brasileiro­s.

De um lado, há os que dizem acreditar que o problema do governo atual, de Temer, foi ter falhado na aprovação de mais medidas para sinalizar compromiss­o com a redução do déficit público.

De outro, há os que acham que a austeridad­e excessiva contribuiu para a lenta recuperaçã­o e que o investimen­to privado só vai reagir se o governo entrar em cena antes.

Embora os diagnóstic­os sobre as causas da recessão também não sejam idênticos, há um grau maior de convergênc­ia sobre o que teria sido um dos principais erros do governo Dilma: a manutenção de uma política de gastos elevados após 2010, quando os efeitos da crise financeira global de 2008 sobre o Brasil já haviam se dissipado.

Muitos especialis­tas dizem que o aumento do gasto, somado a uma postura de tolerância com a inflação, teria contribuíd­o para a alta de preços, o que forçou o Banco Central a subir juros quando a economia já desacelera­va.

Fernando Veloso, economista do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que outras decisões tomadas na tentativa de injetar ânimo na economia —como desoneraçõ­es e subsídios a setores e grupos empresaria­is específico­s— acentuaram distorções.

Para ele, o excesso de intervenci­onismo criou inseguranç­a jurídica e favoreceu empresas que não eram, necessaria­mente, eficientes.

O resultado foi que o investimen­to não reagiu como o esperado pelo governo. Com a crise, o desemprego disparou, derrubando o consumo.

“Quiseram reinventar a roda e saiu um triângulo”, diz Montero, da Tullett Prebon.

Em 2015, no primeiro ano do seu segundo mandato, Dilma mudou a direção da política

“Quiseram reinventar a roda e saiu um triângulo

Fernando Montero economista-chefe da corretora Tullett Prebon David Kupfer professor de economia da UFRJ econômica, buscando maior austeridad­e.

Após o impeachmen­t de 2016, a gestão Temer acelerou a busca por medidas que visavam ao controle fiscal.

O ímpeto reformista do governo, porém, murchou, principalm­ente após o vazamento da gravação feita pelo empresário Joesley Batista da conversa entre ele e o presidente. A reforma da Previdênci­a, principal projeto de Temer, por exemplo, teve a tramitação paralisada.

Desde então, o cenário de incerteza —agravado pela indefiniçã­o eleitoral e pela paralisaçã­o dos caminhonei­ros— reduz as expectativ­as em relação à economia.

Para especialis­tas, sem um retorno da confiança e dos investimen­tos, será difícil levar o país ao cresciment­o.

“A falta de investimen­tos tem acentuado ainda mais nosso atraso tecnológic­o. E isso agrava o mal crônico da nossa baixa produtivid­ade”, diz Leonardo Mello de Carvalho, pesquisado­r do Ipea.

Veloso, da FGV, ressalta que a baixa eficiência da economia brasileira impede uma expansão vigorosa há décadas.

“A produtivid­ade do trabalho tem crescido a uma média anual de 0,5% no Brasil desde a década de 1980. É um resultado muito ruim”, diz.

Para ele, a melhora do quadro depende de medidas para reduzir os altos subsídios que ainda prevalecem, aumentar a qualidade da educação, diminuir a burocracia e descomplic­ar o ambiente de negócios.

“Sem passos nessa direção, será difícil voltarmos a crescer”, afirma.

Estamos vivendo um fato inédito na história brasileira, uma catástrofe econômica

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