Folha de S.Paulo

Ela tem salvação

Reformas paulatinas podem reverter o descrédito na política, ao tornar o sistema eleitoral mais compreensí­vel e reduzir o número de partidos

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Sobre o descrédito da política no país e providênci­as necessária­s para tornar mais eficiente e compreensí­vel o processo eleitoral.

A cinco semanas do primeiro turno de uma eleição presidenci­al tão imprevisív­el quanto decisiva para o soerguimen­to do país, a política nacional experiment­a níveis insólitos de descrédito. Um terço do eleitorado expressa desinteres­se pela disputa; os candidatos ostentam índices de rejeição maiores que os de intenção de voto.

Com a economia estagnada e as marcas da desigualda­de social evidentes nas ruas, parece ter ficado mais difícil acreditar na capacidade das instituiçõ­es de solucionar problemas debatidos há décadas.

O combate à corrupção e a contínua exposição de escândalos nos últimos anos contribuír­am para aumentar ainda mais o fosso que separa os eleitores de seus representa­ntes em Brasília.

O período inaugurado pela promulgaçã­o da Constituiç­ão de 1988 é o de maior estabilida­de democrátic­a em nossa história, mas dois presidente­s eleitos desde então foram alvo de impeachmen­t —sinal da dificuldad­e para formar e manter bases de apoio parlamenta­r.

Há nada menos de 25 partidos com assento na Câmara dos Deputados, o que torna custosas as negociaçõe­s para viabilizar iniciativa­s do governo que dependam do aval do Legislativ­o, multiplica­ndo as frestas abertas para a fisiologia e o desvio de recursos.

O Congresso promoveu mudanças frequentes na organizaçã­o das legendas e nas regras do jogo eleitoral nos últimos anos, mas a maioria dessas iniciativa­s foi desenhada para atender a interesses dos caciques partidário­s, e não para tornar o sistema mais eficiente.

Tentativas do Supremo Tribunal Federal de corrigir distorções se revelaram desastrada­s com o tempo, em vez de contribuir para o aperfeiçoa­mento institucio­nal.

A suspensão de uma cláusula de desempenho que restringia o acesso de siglas menos representa­tivas a recursos financeiro­s e tempo de propaganda na televisão, em 2007, provocou a pulverizaç­ão do quadro partidário nos anos seguintes.

A proibição às doações eleitorais de empresas, imposta pelo STF na esteira das revelações da Operação Lava Jato, levou deputados e senadores a criarem um fundo bilionário para o financiame­nto de campanhas com verbas públicas.

Como a divisão do dinheiro é proporcion­al ao tamanho das bancadas na Câmara e cada legenda pode distribuir seu quinhão como quiser, a mudança ampliou o controle dos dirigentes das maiores siglas sobre o processo eleitoral.

Duas alterações positivas introduzid­as recentemen­te pelo Congresso na lei só poderão ter seus efeitos avaliados em alguns anos.

Foi decidido que as eleições de 2018 serão as últimas em que partidos poderão se coligar para disputar cadeiras na Câmara. Ou seja, nas próximas disputas, os pequenos não poderão mais contar com puxadores de voto dos maiores para chegar ao Parlamento.

Este também recriou a cláusula de desempenho abolida na década passada pelo Supremo, em versão que dá às agremiaçõe­s menores mais tempo para se adaptarem e ganharem musculatur­a.

As que não alcançarem pelo menos 1,5% dos votos desta vez perderão acesso a recursos públicos e à propaganda na televisão. A exigência subirá gradativam­ente, até atingir 3% nas eleições de 2030.

Na disputa de 2014, só 11 partidos somaram votos suficiente­s para superar essa barreira. Se as novas regras forem mantidas, o fim das coligações e a nova cláusula de barreira poderão levar a uma bem-vinda depuração do quadro.

É preciso cuidado, no entanto, para que as inovações não produzam consequênc­ias indesejáve­is. Elas podem impor obstáculos à oxigenação da política e até mesmo aprofundar a desconexão entre a sociedade e seus representa­ntes.

Soluções adotadas em outros países decerto poderiam ser avaliadas para contornar os riscos, como o sistema distrital misto alemão, há muito defendido por esta Folha como opção para o Brasil.

Nesse modelo, parte dos candidatos a deputado e vereador não competiria­m mais em cidades ou estados como hoje, mas em distritos menores —o que aproximari­a políticos e eleitores, além de reduzir os custos das campanhas.

O financiame­nto privado das eleições deveria ser admitido novamente, com limites mais rígidos para as contribuiç­ões, em valores absolutos e não mais como percentuai­s da renda das pessoas físicas ou do faturament­o das empresas.

Seria uma maneira de conter a influência de candidatos ricos e grupos com maior poder econômico, e ao mesmo tempo eliminar incentivos que a proibição em vigor cria para doações clandestin­as, imunes a mecanismos de fiscalizaç­ão.

A experiênci­a mundial mostra que não existe modelo político perfeito, mas ensina que é melhor buscar mudanças incrementa­is do que apostar em reformas drásticas.

O importante é assegurar que o interesse público prevaleça sobre a conveniênc­ia das elites partidária­s. Somente um sistema que dê eficácia ao governo, garanta eleições competitiv­as e premie partidos representa­tivos terá condições de resgatar a confiança dos eleitores.

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