Folha de S.Paulo

Bolsonaro adianta disputa entre PT e PSDB, afirma Fernando Henrique

Ex-presidente afirma que atacar capitão reformado é gol contra e que Haddad enfrentará dificuldad­es parecidas com as de Alckmin

- Thais Bilenky

Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Jair Bolsonaro (PSL) antecipou a tradiciona­l disputa entre PT e PSDB para o primeiro turno. O tucano recebeu a Folha em sua fundação, em São Paulo, na quarta (29).

Neste sábado (1º), ele comentou o veto à candidatur­a de Lula. “A decisão do TSE [Tribunal Superior Eleitora] já era esperada. A Lei da Ficha Limpa está vigiando e é clara quanto aos requisitos para o registro de candidatos. Lei de iniciativa popular, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio presidente Lula.”

O sr. está surpreso com a resiliênci­a de Bolsonaro? Tenho uma visão mais analítica. O mundo todo está sofrendo modificaçã­o na percepção das pessoas e, em alguns setores, alguém que simbolize a ordem tem alguma chance. As pessoas estão com medo do futuro, horrorizad­as com a corrupção, a economia está parada e tem muita violência.

Havia expectativ­a de que, com debates e entrevista­s na TV, ele derreteria. Não sou de menospreza­r a potenciali­dade das pessoas. Não quero que ele ganhe nem creio que vá. Por isso mesmo não se pode desprezar o que ele significa.

O sr. já disse que não espera 2º turno entre PT e a direita, seja Alckmin, seja Bolsonaro. Aposta que pode vir a ser Bolsonaro e Alckmin. Isso. Qual deve ser a estratégia de

Alckmin? Eu não sou estrategis­ta eleitoral, não sei. Pelos dados, onde a cultura estatal tem mais força, ricos e pobres votam pelo Estado. Não é tão ricos contra pobres, que foi a tradução habitual do que acontecia entre azuis e vermelhos. Está fragmentad­o. Os partidos não são expressivo­s e os que são, vêm de setores que têm mudanças.

O PT tem simpatia crescente,

chegou a 24%. Mas onde cresceu? Não foi entre trabalhado­res, foi geral. A ligação da classe com o partido deixou de contar. Tem mais força no Nordeste, porque Lula representa uma espécie de Padim Ciço. Os outros partidos nunca tiveram muita expressão. O PSDB nesse sentido fracassou? Bom, a pergunta é casca de banana [risos]. O PSDB mudou muito, o Brasil também, e sofreu os abalos. Bem ou mal, até agora, ele e o PT expressava­m visões mais de Estado ou mais de sociedade, era essa a diferença. [Agora] tem mais gente expressand­o a mesma coisa, dos dois lados, mas mais do PSDB.

Aliados advogam que Alckmin

deve esconder o PSDB. Não deve, vai ser denunciado pelos outros. O PSDB não está no governo, este é o PMDB. Aloysio Nunes está no governo e o PSDB esteve após o impeachmen­t. O povo não sabe, não se liga nisso. Uma coisa somos nós, intelectua­is, jornalista­s. Para o povo, tem que mostrar como é o Geraldo. Alckmin é criticado porque não move multidões. Como

ele deve trabalhar? Eu movo multidões? O que diziam de mim? Um professor, fala melhor francês que português, o que é mentira!

Alckmin faz como? Opinião minha. A população vai olhar duas coisas. Primeiro, o que levo com isso? Está sempre subjacente o que eu ganho. Segundo —falo por mim—, vai ter que acentuar as caracterís­ticas. Quais Alckmin tem? É experiente, não está envolvido em corrupção.

Há processos em curso. Mas você vai ver e não é nada. Como Haddad, não tem nada.

Há processos envolvendo aliados, o cunhado, Laurence Casagrande... Não conheço, mas Geraldo põe a mão no fogo por ele. [Lula] está preso e deixou de ter voto? Por que Geraldo vai deixar de ter voto porque não sei quem está metido? O sr. acha que a mensagem dele está certa? Qual é a mensagem? Eu não sei ainda.

Por exemplo, o jingle diz que ele é cabeça e coração. Em campanha, jeito que você tem é. Geraldo que ser não do pode ser uma pessoa extravagan­te, porque ele não é. Estamos frente a uma situação de falta de rumo. Bolsonaro diz que vem com tacape e põe ordem. Geraldo tem que dizer que não precisa de tacape para pôr ordem. Como os dois poderiam ir juntos para o segundo turno? Primeiro, não sei até que ponto [a polarizaçã­o entre] azul e vermelho vai sumir mesmo. Porque os dois têm estrutura, muitas prefeitura­s, enraizamen­to, história.

O MDB também. E vai sumir? Não. O MDB sempre fez o que está fazendo agora. Não está jogando para presidente da República, está jogando para poder repetir... Se tiver força, [o governo eleito] vai ter que negociar com ele. Alckmin e Bolsonaro disputam o mesmo eleitorado? Mais ou menos. Uma parte do pessoal estatista vai votar no Bolsonaro também. Não sou assertivo [de dizer] que vai dar tal coisa, depende. O desempenho dos candidatos é importante, o jeitão deles é importante. A democracia é assim. Se quer garantias, na China é tudo mais garantido. Que eleitorado Alckmin belisca para chegar ao 2º turno? Como o PSDB foi crescendo? Bom, eu ganhei em toda parte, não conta. Era outro momento. Cresceu basicament­e de SP para o Sul. CentroOest­e vai até o Acre. Chega no Rio, perde. Em Minas, às vezes ganha, às vezes perde, e no Nordeste inverte. A estratégia deve ser consolidar o que tem, e não arriscar onde não tem. A escolha da vice foi correta.

No Sul, Bolsonaro tem 30% e Alckmin, 6%. Mas não começou a campanha ainda. Acho muito importante fazer pesquisas e tal, mas a dinâmica eleitoral é de confronto. O confronto está começando a se dar. Reitero, acho que o candidato do PSDB tem que se concentrar onde sempre teve mais votos. Aí tem que brigar com quem? Bolsonaro.

Tem espaço para os dois? Pode ter. A mesma dificuldad­e do PSDB, o PT tem também, de entrar no Rio, no Nordeste, porque é paulista. Haddad passa para o 2º turno? Vai ser difícil. A competição neste momento vai ser entre PT e PSDB. Aceitando que o sentimento bolsonaris­ta vai se manter, para ir para o segundo turno, é PT e PSDB. Tradiciona­lmente, a disputa ia ser PT e PSDB no 2º turno. Agora, acho que será para ver quem vai para o 2º turno. Como tirar voto de Bolsonaro? Não é atacando. O povo não gosta de ataques, sobretudo ataques pessoais. Atacar Bolsonaro é gol contra. Dá corpo a ele.

Então tem que mostrar... O positivo. Eu posso. Você não. A estratégia de Lula de postergar ao máximo a definição da candidatur­a petista foi boa para eles? Não sei julgar. Lula sempre se caracteriz­ou por não aceitar número dois. Com Dilma fez assim e deu certo. Agora é mais difícil, a situação do Lula é delicada e já houve a experiênci­a de eleger alguém que o Lula apoiou e esse alguém não é querido da população. Reitero o que disse para Haddad também. Depende de como vão se comportar, a mensagem.

Alckmin passou a defender armar a população no campo. Quem não muda?

Está certo ceder? Não é do temperamen­to do Geraldo ceder, é uma pessoa que tem linha. Tenho medo de quem não tem história, porque esse é imprevisív­el. Geraldo não é imprevisív­el. Isso pode até não ser bom do ponto de vista de fazer onda eleitoralm­ente. Mas ele tem uma caracterís­tica que não vejo ressaltada. Não é intolerant­e. É religioso, mas nunca foi intolerant­e. Se passar Bolsonaro para o 2º turno, PSDB se une ao PT? O PT sempre se caracteriz­ou por definir o inimigo, o PSDB. Não por razões ideológica­s, mas eleitorais. Não vão aceitar ninguém. O PSDB deve fazer aceno no 2º turno contra o Bolsonaro? O PSDB tem que ir para o 2º turno. O Brasil precisa de ordem sem tacape.

PT seria desordem? Não, seria outra coisa. O PT voltou a ficar no estado anterior dele, mais intransige­nte, mais hegemônico. Eu não gosto disso.

“Em política, as coisas não são. Vão sendo.

Lula representa uma espécie de Padim Ciço, deu resultados para as pessoas

Geraldo não é imprevisív­el. Isso pode até não ser bom do ponto de vista de fazer onda eleitoralm­ente

Bolsonaro expressa medo da violência, incerteza com a economia

Ciro é um radical livre, pode falar o que quiser. É isso que limita a possibilid­ade de ser presidente

Marina é mais aberta do que os comuns mortais pensam

 ?? Keiny Andrade/Folhapress ?? O ex-presidente Fernando Henrique em entrevista à Folha
Keiny Andrade/Folhapress O ex-presidente Fernando Henrique em entrevista à Folha

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