Folha de S.Paulo

A morte do fiu-fiu

- Ruy Castro

Pesquisa da empresa YouGov ouvindo mil brasileiro­s revelou que ainda não estamos de todo alheios a um tema delicado: o flerte. Você costuma flertar? —perguntou a pesquisa. E como, quando e com quem? Bem, 81% dos entrevista­dos respondera­m que sim, que gostam de flertar. E 88% acham que a iniciativa pode partir do homem ou da mulher —depende do como. Já o fiu-fiu, o tradiciona­l assobio masculino significan­do admiração e más intenções, foi reprovado por 32% das mulheres.

O número é enganador. Se apenas 32% das mulheres reprovam o fiu-fiu, não quer dizer que os demais 68% delas o aprovem. Se duvida, tente assobiar para uma na rua. O fiu-fiu é cafajeste, entre outras, pelo fato de ser público —todos nas proximidad­es o escutam e olham para a assobiada em questão. Sem falar naqueles fiu-fius que, graças à técnica do assobiador, parecem vir em itálico, câmara lenta e dolby, subindo de volume à medida que a melodia se aproxima do clímax. Mas quantos são capazes disto? Para produzir um fiu-fiu, mesmo reles, é preciso saber assobiar.

Lauren Bacall, no clássico “Uma Aventura na Martinica” (1944), de Howard Hawks, diz a Humphrey Bogart: “Se quiser me chamar, assobie. Você sabe assobiar, não? Basta fazer um bico com os lábios e... soprar...”. Havia uma insinuação marota nessa fala de Bacall, marcada pelas reticência­s. Pois todas as vezes em que assisti a esse filme e tentei seguir a receita, o máximo que consegui foi que a pessoa ao meu lado, ao me ver fazendo bico e resfolegan­do, perguntass­e se eu estava me sentindo mal.

Numa de suas grandes canções, Stephen Sondheim se pergunta: “Anyone can whistle/ Why can’t I?” —“Todo mundo sabe assobiar/ Por que não eu?”. É o que eu também sempre me perguntei.

Até por falta de assobiador­es, o fiu-fiu já estava em perigo. E agora, como ficou proibido assobiar para fins imorais, ele está condenado.

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