Folha de S.Paulo

Campanha de Jair Bolsonaro é marcada por intrigas e improviso

Sem tesoureiro ou marqueteir­o próprios, estrutura tem pouca coesão e muita influência da família do candidato

- Igor Gielow

“Isso aqui tem tudo para dar errado. Talvez por isso esteja dando certo até aqui.”

A frase, do candidato ao Senado Major Olímpio (PSL-SP), resume talvez à perfeição a mais inusual campanha política majoritári­a da história: a de Jair Bolsonaro a presidente.

Totalmente descentral­izada, sem tesoureiro ou marqueteir­o formais, a estrutura do presidenci­ável do PSL está coalhada de intrigas, desavenças e instâncias concorrent­es de decisão. Uma confusão, como define com termo menos publicável outro membro de destaque da trupe, que pede para não se identifica­r.

Ao fim, quem tem a palavra definitiva da campanha é Bolsonaro, que percorre há mais de dois anos o país e as redes sociais instilando sua mensagem, com sucesso revertido no primeiro lugar das campanhas sem Lula (22% no mais recente Datafolha).

“O zero-um é quem decide”, diz Olímpio, presidente estadual do PSL paulista, usando a sigla policiales­ca para o chefe de uma unidade militar. Os zeros seguintes na estrutura são os filhos de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo (PSL-SP), o vereador carioca Carlos (PSL) e o deputado estadual Flávio (PSL-RJ).

Eduardo e Flávio são estrategis­tas políticos e transmitem as ordens do pai. Não sem ruídos, já que o presidenci­ável costuma discordar deles. Só silencia quando o outro filho, Carlos, fala grosso.

Chefe da estratégia digital vitoriosa até aqui do pai, ele é a mão forte invisível da empreitada ao Planalto. A mulher de Bolsonaro, Michelle, divide com ele o papel de “firewall”: controla quem tem acesso ao recesso do lar do presidenci­ável no Rio de Janeiro.

Ela veta a presença de políticos na casa da família, num condomínio de luxo na Barra (Rio). Na terça passada (28), por exemplo, Bolsonaro preparou-se para a entrevista no Jornal Nacional da Rede Globo na casa de Carlos, que mora no mesmo condomínio.

Ainda assim, para irritação de muitos aliados do polêmico candidato, o acesso a Bolsonaro tem barreiras adicionais.

A primeira, fora do quartelgen­eral familiar, é o núcleo partidário. Gustavo Bebianno, o advogado de Bolsonaro no processo em que ele é réu por ter dito que não estupraria a petista Maria do Rosário, virou presidente interino do PSL por ordem do presidenci­ável e assumiu o papel de cão de guarda dele.

Na tarde da entrevista da Globo, ele vetou a presença de aliados na casa de Carlos. A Folha procurou o candidato, mas não obteve resposta.

“Não é uma campanha comum”, admite Letícia Catel, secretária-geral do PSL em São Paulo. Amiga de um curso de pós-graduação de Eduardo e, como ele, praticante de tiro, ela emergiu como eminência parda no entorno do candidato.

“Falo diretament­e com o Jair, mas é tudo de forma orgânica. Ajudo a coordenar a campanha em São Paulo”, afirma. A agenda de Bolsonaro, por sua vez, é tocada pela mulher de Bebianno, Renata —com supervisão de Michelle.

Letícia negociou em nome do candidato participaç­ões em debate e protagoniz­ou um bate-boca de rede social com uma jornalista, mas nega ser uma assessora. “Não existe ninguém que possa dizer que assessora o candidato. Nada é oficial, eu não ganho um centavo”, afirma.

Olímpio e Luiz Antonio Nabhan Garcia, o presidente da UDR (União Democrátic­a Ruralista) e um dos principais conselheir­os de Bolsonaro, a desautoriz­am. “Ela não fala pelo partido, não é minha escolha no PSL-SP. Se falar, passa por cima de mim”, diz o candidato a senador. “Infelizmen­te, isso acontece em campanhas. Mas ela não é da coordenaçã­o”, afirma o ruralista.

Ambos, contudo, elogiam Bebianno, que esteve em conflito no mês passado com o QG da família pela questão da participaç­ão ou não em debates. Houve uma pressão, coordenada por aliados mais moderados do grupo, para que o general da reserva Augusto Heleno assumisse a coordenaçã­o da campanha.

Bolsonaro manteve Bebianno, negou publicamen­te a crise, e seus filhos ordena- ram o fim da querela. As críticas acabaram focadas em Julian Lemos, vice nacional do PSL, que estava “muito aparecido”, como diz um integrante do núcleo empresaria­l da campanha. Com efeito, Lemos se retirou para sua campanha a deputado pelo PSLPB. Ele e Bebianno não concederam entrevista­s.

Essa facção do empresaria­do acompanha a escalada de Bolsonaro há tempos. Seus dois primeiros apoiadores explícitos foram Fábio Wajngarten e Meyer Nigri, expoentes na comunidade judaica paulistana. O primeiro tem uma empresa de análise de mídia e auxilia nos contatos do presidenci­ável na área, além de ajudar na sua comunicaçã­o.

Wajngarten reconhece dispersão na campanha. “Se você busca um objetivo, o planejamen­to é imprescind­ível”, afirma. Já Nigri está recluso desde que surgiu como apoiador de Bolsonaro: dono da construtor­a Tecnisa, ele foi fustigado por pares mais alinhados com o PSDB.

Outros empresário­s, a partir de um café da manhã de 62 deles com Bolsonaro em 10 de agosto na casa de Wajngarten, saíram do armário. “Nunca saí de um encontro com político sem que me pedissem dinheiro”, disse Sebastião Bomfim, dono da rede Centauro. Gente de varejo, como Luciano Hang (lojas Havan) e Mário Gazin, do grupo homônimo, declararam voto a Bolsonaro.

“Não temos dinheiro. Sou tesoureiro estadual do PSL em São Paulo, mas na prática faço de tudo”, afirma Victor Metta, um advogado que fazia parte de um grupo de entusiasta­s de direita com Letícia Catel e outros, que hoje são voluntário­s da campanha.

Metta diz que não tem tem nem o que declarar ao TSE por ora. A candidatur­a recebeu R$ 9,2 milhões do fundo criado para as eleições, mas ninguém sabe como o dinheiro será repartido de fato.

Essa opacidade ainda pode se voltar contra Bolsonaro, que faz publicidad­e de sua alegada independên­cia de financiado­res tradiciona­is.

O discurso de que “estou fazendo por amor”, ou “sou voluntário” permeia quase a totalidade das conversas com apoiadores do deputado. Restará saber se o TSE aceitará passivamen­te a argumentaç­ão.

Na viagem de Bolsonaro pelo oeste paulista, na semana retrasada, Metta diz que “algumas coisas vieram prontas do PSL nacional, outras a gente fez, mas eu tenho de ficar pedindo para pagar tudo o que oferecem para a gente, como carros”.

Essa jornada interioran­a, aliás, foi fonte de um estresse razoável no PSL devido à presença da jornalista Joice Hasselmann. Candidata a deputada federal, ela se colocou de forma proeminent­e nos palanques e entrevista­s de Bolsonaro, ganhando a alcunha maldosa de “primeira-dama” por parte de aliados.

“O ser humano é assim, tem ciúme. Eu fui convidada para os eventos”, afirmou Joice. A gota-d’água ocorreu em Araçatuba, no dia 16, quando ela se apresentou como candidata ao governo do estado, sendo imediatame­nte desautoriz­ada por Olímpio em redes sociais. “Isso é normal, pessoas atravessam o samba em campanhas para querer aparecer. Foi um desatino, mas o episódio está superado”, diz ele.

“O lançamento foi feito por filiados de bom coração e pegou mal. Falei com o Jair, e vou ajudar como mulher forte para trazer votos na disputa”, disse ela, que manteve sua candidatur­a. Na mesma viagem, teve bem menos acesso a Bolsonaro Janaina Paschoal, que quase foi vice na chapa federal e agora disputa a Assembleia.

Para tentar dar um pouco de coesão programáti­ca, nesta semana deverão se reunir integrante­s dos núcleos empresaria­l, de agronegóci­o e militar da campanha. Pe-

lo currículo de Bolsonaro no Exército, o último é integrado por pessoas de suas estrita confiança.

À frente de outros militares da reserva está o general Heleno, um respeitado quatro estrelas (topo da hierarquia).

“Faço consultori­a e análise, buscando mostrar o que está errado no país. O grande problema é que, com o aparelhame­nto do Estado ao longo dos anos, os dados não são confiáveis. Então podemos ter uma crise maior ou menor se assumirmos. A essa altura, qualquer plano de governo é farsa.”

Outro general da reserva que colabora é Aléssio Ribeiro Souza. Já o general da reserva Hamilton Mourão virou vice da chapa, mas está distante do centro decisório.

Dão pitacos econômicos no programa de governo os irmãos Abraham e Arthur Weintraub, professore­s da Universida­de Estadual Paulista notórios em sua reclusão.

Mas quem manda no setor é Paulo Guedes, o economista que aderiu a Bolsonaro após o global Luciano Huck dar sinais de que não iria em frente na corrida ao Planalto. Ele trabalha sozinho e sua interlocuç­ão é com o QG, trocando ideias eventuais com os núcleos empresaria­l e militar.

Os evangélico­s, usualmente associados a Bolsonaro, são acessados basicament­e por meio do senador Magno Malta (PR-ES). O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, casou o presidenci­ável com Michelle em 2013, mas ela mudou-se para uma denominaçã­o batista e a influência do religioso diminuiu.

Essa amálgama tenta colocar Bolsonaro na Presidênci­a. Se terá sucesso, é incerto, mas é inegável que constitui fenômeno inédito em sua desorganiz­ação até aqui.

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