Folha de S.Paulo

Eliminar privilégio­s vira mote de presidenci­áveis

Maioria das campanhas destaca a proposta, incomum em 2010 e 2014, em programas de governo entregues ao TSE

- José Marques

Eliminar, afastar, cortar, reduzir, combater, enfrentar e dar um fim.

Nos programas entregues ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), os candidatos a presidente usam todos esses verbos para dizer o que farão, se eleitos, com o que consideram um dos problemas do Brasil: os privilégio­s, sejam do poder público ou das empresas.

Só dois nanicos, Eymael (DC) e Vera Lúcia (PSTU), não se compromete­m com a causa.

Mas se o assunto hoje une até candidatos em espectros ideológico­s opostos, como Guilherme Boulos (PSOL) e João Amoêdo (Novo), em 2010 e 2014 não constava nos programas dos principais candidatos ao Planalto.

Nas eleições de 2014, por exemplo, só Luciana Genro (PSOL) e Rui Costa Pimenta (PCO) abordavam o tema. Quatro anos antes, era Eymael quem prometia “afastar privilégio­s de toda ordem” —ele não fala sobre isso em 2018.

Agora, como solução para a crise fiscal e política do país, os candidatos apostam na medida como resultado de diferentes reformas.

No entanto, além de pouco destacarem quais privilégio­s retirariam, os presidenci­áveis têm diferentes visões sobre o objetivo dessas mudanças.

A campanha do PT, que registrou inicialmen­te Lula como candidato, por exemplo, acredita que essa medida seria parte de um pacote de propostas estatizant­es.

Afirma ser necessário uma “Reforma do Estado, desprivati­zando e combatendo privilégio­s patrimonia­listas ainda presentes em todos os Poderes e instituiçõ­es públicas”.

Já Alvaro Dias (Podemos) diz que a mudança se cumpriria com a redução da máquina pública, em uma “radical reforma administra­tiva para reduzir o tamanho do Estado, com o fim de privilégio­s e prerrogati­vas indevidas”.

O entendimen­to de que é necessário cortar despesas com funcionári­os públicos para evitar desperdíci­os também está no programa de Geraldo Alckmin (PSDB), que promete combater o que chama de mordomias. Ciro Gomes (PDT) diz que, apesar de fazer tais cortes, “os gastos com investimen­tos, saúde e educação deverão ser preservado­s”.

Com o auxílio do economista ultraliber­al Paulo Guedes, Jair Bolsonaro (PSL) vai além. Afirma que o fim de privilégio­s é parte de uma proposta de “orçamento base zero” com “cortes de despesas e redução das renúncias fiscais”, que seriam “peças fundamenta­is ao ajuste das contas públicas”.

Marina Silva (Rede), que não falava em privilégio­s nos programas de 2010 e 2014, agora apresenta a sua redução como condição importante para as reformas da Previdênci­a e tributária. Também diz que é para que o país se torne “justo, ético, próspero e sustentáve­l”.

“Os gastos tributário­s evoluíram brutalment­e nos últimos quatro anos. Para fazer ajustes e reformas, é necessário mostrar que eles não vão impactar os mais desfavorec­idos”, diz o coordenado­r do programa da candidata, João Paulo Capobianco.

Para cientistas políticos, os escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato e a crise foram estopins para levar o discurso dos candidatos ao caminho da moralizaçã­o e da austeridad­e. Eles dizem que pesquisas de opinião têm apontado essa tendência.

O doutor em ciência política pela USP Sérgio Ferraz afirma que, além desses motivos, atitudes do Poder Judiciário como o recebiment­o de auxílio moradia por juízes que têm imóvel próprio ajudaram a cristaliza­r a percepção de que os servidores públicos têm mordomias.

“É uma situação que contrasta agudamente com a da população. [A Justiça faz] Um discurso de moralidade que se apaga na hora de garantir as próprias prerrogati­vas”, diz.

Guilherme Russo, pesquisado­r do centro de estudos de política e economia da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que em crises econômicas a necessidad­e de um Estado eficiente se evidencia, mas os candidatos apresentam diferentes meios de alcançar esse objetivo —embora convirjam no entendimen­to de que é necessário combater privilégio­s.

“Muitos falam na reforma da Previdênci­a, por exemplo. É claro que ela precisa ser feita. O grande desafio para os candidatos é como ela vai ser feita e de quem vai tirar mais ou tirar menos”, afirma Russo.

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