Folha de S.Paulo

Gilmar Mendes expôs o tamanho do desastre

Sem o pode-não-pode da Justiça, dificilmen­te Lula lideraria as pesquisas

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Poucas vezes um magistrado foi tão autocrític­o e preciso como o ministro Gilmar Mendes quando disse o seguinte:

“Nós já produzimos esse desastre que aí está. Ou as pessoas não percebem que nós contribuím­os com a vitimizaçã­o do Lula? Estamos produzindo esse resultado que está aí.”

Sem o prende-solta de julho e pode-não-pode da Justiça Eleitoral, dificilmen­te Lula estaria com pelo menos 39% das preferênci­as nas pesquisas do Datafolha. Mais que isso: pode-se garantir que aumentou a sua capacidade de transferir eleitores para Fernando Haddad, tornando-o um provável candidato no segundo turno da eleição. Quem acha que um confronto Haddad x Bolsonaro ajuda a eleger um ou outro não quer um processo eleitoral, mas um daqueles espetáculo­s sanguinári­os que aconteciam no Coliseu de Roma.

O desastre está aí, mas Lula pode ser acusado de tudo, menos de ter sido o causador da barafunda criada pelo Judiciário. Sua vitimizaçã­o entra agora na última fase, fabricando­se uma eleição presidenci­al influencia­da por um ectoplasma político. Em outro tempo, Juscelino Kubitschek também foi transforma­do em fantasma. Era um ex-presidente cujo semicandid­ato foi derrotado pelo doidivanas Jânio Quadros, que tinha como símbolo eleitoral uma vassoura. Vale lembrar que o apartament­o de JK ficava na avenida Vieira Souto e nele cabiam vários tríplexes do Guarujá. Algo do mito de Juscelino deriva da cena do seu embarque para o exílio com um coronel de arma na mão e de sua figura sorridente entrando num quartel para depor num inquérito policialmi­litar. Isso e mais a mobilizaçã­o financeira do governo para impedir sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, onde sentava-se o general Aurélio de Lyra Tavares, o poeta Adelita e um dos três patetas da Junta Militar de 1969. (Numa carta ele escreveu “acessorame­nto” e “encorage”.)

A discussão em torno da presença de Lula na propaganda gratuita é despiciend­a. Ele estará lá, em áudios e vídeos. Não como o chefe do PT dos escândalos, mas como vítima.

Sem comparar as sentenças que condenaram Lula com a campanha que se fez contra Getúlio Vargas, imagine-se o que seria de sua memória em duas situações:

1. Matou-se sem deixar a carta-testamento.

2. Não se matou, deixou o Catete e foi para São Borja.

Em 1973 tiraram Ulysses Guimarães do ar

A situação em que Lula está hoje nada tem a ver com aquela em que foi colocado Ulysses Guimarães em 1973, quando lançou-se como anticandid­ato à Presidênci­a da República. Hoje vive-se num Estado de Direito e em 1973 vivia-se numa ditadura. Àquela época a eleição era indireta e estava perdida para o MDB. Hoje, os eleitores decidem. Se tudo isso fosse pouco, Ulysses estava no pleno uso de sua liberdade e Lula está preso, condenado por corrupção. As duas situações, contudo, têm uma ponto em comum: deseja-se calar alguém ou, pelo menos, limitar sua fala.

Em 1973, a Justiça negou ao MDB o acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito de propaganda. Argumentou-se que eleição indireta não comportava propaganda gratuita.

A anticandid­atura de Ulysses serviu à oposição como um fator de mobilizaçã­o, pois a aritmética garantia a vitória do general Ernesto Geisel. Garantia, mas, como seguro morreu de velho, no dia da eleição o general Orlando Geisel, ministro do Exército e irmão do candidato do governo, colocou duas companhias de prontidão para fechar o Congresso caso alguém tentasse fazer alguma surpresa.

Geisel foi eleito e tomou posse em março. Cortar o acesso de Ulysses ao horário gratuito até que foi fácil. A conta chegou na eleição parlamenta­r de novembro, quando o MDB elegeu 16 senadores em 22 estados e mudou o curso da política brasileira.

Eleição é bufê De uma pessoa que viu 11 eleições presidenci­ais e está incomodada com o desencanto da disputa de outubro:

“Eleição presidenci­al é bufê. Você tem escolher entre os pratos que estão na mesa. Não pedir uma omelete.”

Madame Natasha Madame Natasha quer votar em Geraldo Alckmin, mas sempre que decide ouvi-lo, pega no sono.

Depois de muito pensar, resolveu mandar algumas sugestões aos assessores do doutor.

1. Impeçam-no de falar por mais de 40 segundos.

2. Proíbam-no de citar mais de uma estatístic­a em cada fala.

3. Proíbam-no de dizer que “vamos chegar lá” quando alguém lhe faz uma pergunta e ele começa a falar de Pindamonha­ngaba. Essa proibição é necessária porque ele não chega a lugar algum.

Trumpistão Diante das novas trapalhada­s de Donald Trump, vale a pena recordar o que disse a seu respeito Michael Bloomberg, o bilionário que governou por 11 anos a maior cidade dos Estados Unidos:

“Como nova-iorquino, eu reconheço um vigarista quando o vejo.”

Ao contrário de Trump, Bloomberg nasceu pobre e nunca quebrou. Sua fortuna está estimada em US$ 50 bilhões e ele se compromete­u a doar a metade desse ervanário.

Exemplo A Vinci, concession­ária do aeroporto de Salvador, oferece serviço ilimitado e gratuito de conexão com a internet.

Faz tempo, a Infraero anunciou que a internet seria gratuita em 12 aeroportos. Ouviu outras vozes e voltou atrás.

Viganó x Francisco Cada denúncia de pedofilia de sacerdotes que vier a aparecer será mais uma ferida no pontificad­o do papa Francisco.

Não faz sentido que num só estado americano 300 padres tenham abusado de mil fiéis enquanto num país do tamanho do Brasil os casos conhecidos podem ser contados nos dedos das mãos.

(De 1839 a 1840, o Brasil foi governado pelo padre Diogo Feijó. Ele combatia o celibato dos sacerdotes.)

Anarquia Dia 15 completam-se dois meses do dia em que o ministro Raul Jungmann anunciou que foram abertos 35 inquéritos em 25 estados para apurar a participaç­ão de empresário­s de transporte­s na greve dos caminhonei­ros. Infelizmen­te, nada se sabe deles.

No dia 18 completa-se um mês da violência de Pacaraima, quando brasileiro­s queimaram as coisas de famílias venezuelan­as, obrigando mais de mil refugiados a fugir de volta.

Existem alguns vídeos que permitem a identifica­ção dos delinquent­es e de um carro com alto-falantes, incitandoo­s. Investigaç­ão, nem pensar.

Fuga Já funcionam no Brasil, com sucesso, empresas que oferecem a Bolsa Vou-me Embora para abonados do andar de cima. Portugal virou arroz de festa e os Estados Unidos estão na concorrênc­ia.

A legislação americana exige um investimen­to de US$ 500 mil, com diversas condiciona­ntes. Numa conta de padaria, o pulo pode acabar custando algo como US$ 100 mil.

Eremildo, o idiota Eremildo é um idiota e convenceu-se de que o doutor Armínio Fraga teve razão quando disse que o Brasil “adora um atalho”.

O cretino chegou a essa conclusão ao perceber que muitos çábios do mercado torcem por Jair Bolsonaro acreditand­o que o economista Paulo Guedes é o dono do urso. Seguem esse atalho mesmo sabendo que o Partido Novo tem como candidato João Amoêdo, um ex-vice-presidente do Unibanco.

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Juliana Freire

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