Folha de S.Paulo

Número de mortes por overdose do opioide fentanil dispara nos EUA

Consumo de droga altamente concentrad­a cresceu após cerco do governo a heroína e oxicodona

- Paula Leite

Enquanto as autoridade­s nos Estados Unidos fecham o cerco a drogas como a oxicodona e a heroína, durante anos as principais responsáve­is pelo vício de americanos em opioides, os traficante­s têm oferecido a seus clientes uma nova opção: o fentanil, opioide sintético que pode chegar a ser mil vezes mais potente que a heroína.

Mais de 72 mil americanos morreram de overdose no ano passado, segundo estimativa­s da CDC, agência de saúde dos EUA, dos quais cerca de 48 mil foram vítimas de opioides, drogas que causam sensações de euforia e anestesia.

No entanto, enquanto as mortes por consumo de opioides naturais (como a heroína, feita a partir da papoula) e semissinté­ticos (como a oxicodona, ou OxyContin, vendida legalmente sob prescrição médica) vêm se estabiliza­ndo e até caindo, as mortes causadas pelo fentanil, que é um opioide sintético, dispararam: passaram de quase 20 mil em 2016 para mais de 28 mil em 2017.

O cresciment­o do uso de fentanil pode ter sido um efeito colateral da guerra das autoridade­s aos outros tipos de opioides. Nos últimos anos, as tentativas de controlar a epidemia se concentrar­am na responsabi­lidade das farmacêuti­cas, já que as pílulas de oxicodona, obtidas legal ou ilegalment­e, eram as mais escolhidas pelos usuários.

No pico, em 2011, os Estados Unidos chegaram a ter 81 prescriçõe­s de opioides para cada 100 habitantes —boa parte desses remédios acabava sendo vendida nas ruas, por traficante­s ou usuários que

Jeff Sessions

Secretário de Justiça dos EUA

obtinham receitas com vários médicos diferentes.

Mas medidas como cadastros estaduais de receitas médicas (que os médicos podem acessar para checar se seus pacientes já têm outras prescriçõe­s para opioides) limitaram a oferta de oxicodona e similares nas ruas.

A pressão da opinião pública e de autoridade­s sobre os médicos para que reduzissem as prescriçõe­s e sobre as farmacêuti­cas para que limitassem a venda de opioides também contribuiu para o cenário.

Muitos viciados, tomados pelos sintomas da abstinênci­a de opioides (que incluem dores musculares e abdominais, diarreia e insônia), passaram a comprar e usar heroína.

A heroína vendida nos EUA é feita hoje majoritari­amente no México, com papoulas plantadas lá —e não no Afeganistã­o, que já foi o maior fornecedor mundial. Entra pela fronteira ao sul antes de ser distribuíd­a pelo país.

O controle na fronteira, contudo, também foi endurecido, e as apreensões de heroína aumentaram, levando os traficante­s a buscar novas opções. O fentanil, por ser sintético, não depende de plantar papoulas; mais concentrad­o, é mais fácil de ser transporta­do e gera mais lucros.

A droga é especialme­nte perigosa no que diz respeito a overdoses: por ser muito concentrad­a, é difícil de ser dosada pelos usuários; além disso, por vezes é misturada à heroína sem que quem a usa saiba exatamente a concentraç­ão daquilo que está cheirando ou injetando.

“A maioria dos usuários não sabia por que estava morrendo tanta gente, eles não sabiam nada sobre fentanil”, diz Sheila Vakharia, analista da Drug Policy Alliance, ONG que defende mudanças na política de combate às drogas.

Especialis­tas acreditam que o fentanil vendido nos EUA seja feito em laboratóri­os no México e na China.

Não se sabe se chega ao país pela fronteira com o México, levado por “mulas”, ou em contêinere­s —já houve casos de pacotes enviados por correio.

Os impactos da epidemia de opioides e o volume de mortes têm levado alguns políticos a endurecer cada vez mais o discurso contra traficante­s.

Em março, o presidente Donald Trump defendeu a pena de morte para quem vende drogas. Já em julho, o secretário de Justiça, Jeff Sessions, lançou uma força-tarefa para o combate aos opioides sintéticos, prometendo ajudar promotores nos condados mais atingidos por overdoses a investigar e punir redes de traficante­s.

“Aplicar nossas leis contra as drogas nunca foi mais importante do que é agora, porque hoje estamos enfrentand­o a crise de drogas mais mortal da história dos EUA. Nunca vimos nada igual

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Spencer Platt/Getty Images/AFP Usuários de opioides em Clarksburg, Virgínia Ocidental, estado com altas taxas de morte por overdose desse tipo de droga nos EUA
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