Folha de S.Paulo

Narcotráfi­co se torna mais letal no Uruguai

Com maconha regulariza­da, disputa de gangues por espaço restrito se torna mais sangrenta; homicídios saltam 66%

- Sylvia Colombo

A pacata capital uruguaia vive dias de tensão depois que o governo anunciou que o número de homicídios no país cresceu 66% na primeira metade de 2018 com relação ao mesmo período do ano passado. Também subiram os registros de furtos a domicílios e assaltos à mão armada.

“Estamos reforçando a segurança, pondo câmera na garagem, porque queremos evitar ter de mudar para um condomínio fechado, como muitos ex-vizinhos que foram embora por medo da violência”, diz Roberto Sposito, 42, morador do bairro nobre de Carrasco.

Ali, o preço das propriedad­es tem caído nos últimos anos, derrubado pelo êxodo de moradores que trocam casas por prédios em busca de maior segurança.

Numa rápida caminhada pelo bairro, a reportagem da Folha contou mais de dez placas de “vende-se” num conjunto de poucos quarteirõe­s.

Algumas casas diante da praia parecem abandonada­s, dado o descuido dos jardins, cujo verde cresce sobre as placas das imobiliári­as.

Embora a violência no Uruguai continue baixa se comparada aos níveis da região, o país é um dos que registra aumento mais acentuado dos índices, segundo levantamen­to da ONG Insight Crime, que monitora o tema na América Latina e produz estudos a respeito dele.

O índice de assassinat­os por 100 mil habitantes no Uruguai é de 8,1 (e na capital, de 11), contrapost­o, por exemplo, a 30,8 no Brasil e 42,8 em Honduras —o índice médio de toda a América Latina é de 21,5, segundo o Instituto Igarapé.

Se nos bairros ricos das grandes cidades os principais problemas são furtos e assaltos, quem sofre com os homicídios são os bairros periférico­s e portuários, no caso de Montevidéu, onde se concentrar­am 80% dos 218 assassinat­os registrado­s no último semestre (ante 131 no primeiro semestre do ano passado).

Segundo as autoridade­s locais, 40% desses delitos estão relacionad­os a conflitos entre gangues do crime organizado.

Para o ministro do Interior, Eduardo Bonomi, “o aumento da violência é resultado do aumento dos enfrentame­ntos de gangues, muitas ligadas ao tráfico de drogas”.

A regulament­ação da venda da maconha, em julho de 2017, reduziu o mercado negro da droga em 25%, segundo dados oficiais, e diminuiu a violência ligada à comerciali­zação, além de garantir a qualidade do produto aos usuários regulares registrado­s.

Mas há um lado negativo. A diminuição do número de compradore­s que antes recorriam a traficante­s fez com que estes passassem a disputar com mais violência o espaço reduzido para atuação.

O governo calcula que o mercado de consumo de maconha movimente US$ 40 milhões (R$ 164 milhões) ao ano, dos quais desde a aprovação da Lei da Maconha, em 2013, US$ 10 milhões passaram ao setor legal da economia. Já há 35 mil usuários registrado­s para consumir a droga pelos clubes de cultivo ou farmácias.

Além disso, o presidente Tabaré Vázquez é um opositor da lei que a aplicou porque estava aprovada pelo Congresso, mas não deu continuida­de ao plano previsto.

“Não basta legalizar uma quantidade reduzida e não ter plano para discutir o uso das outras drogas, não investir nos programas de prevenção do consumo, na pesquisa e na contenção do crime organizado”, diz Raquel Peryaube, presidente da Sociedade Uruguaia de Endocanabi­nologia.

Segundo relatório da Insight Crime, há no país ao menos 20

Mario Layera diretor da Polícia do Uruguai

gangues ou pequenos cartéis dedicadas ao tráfico (principalm­ente de cocaína) que se aproveitam da posição estratégic­a da cidade portuária para exportá-las à Europa.

Há, ainda, segundo as autoridade­s uruguaias, um aumento do consumo do “paco” (pasta base da cocaína) entre a juventude na periferia e em algumas áreas do centro de Montevidéu. A Folha registrou a presença de usuários numa quadra de esportes perto do bulevar Sarandí, frequentad­o por turistas.

A oposição ao governo do esquerdist­a Vázquez culpa ele e seu partido, a Frente Ampla, no poder desde 2005, por nunca ter investido o suficiente em segurança e inteligênc­ia. Essa é uma das bandeiras da pré-campanha eleitoral do partido Nacional, que tentará tirar a esquerda do poder nas eleições do ano que vem.

O diretor nacional de Polícia do Uruguai, Mario Layera, afirma que o país “está caminhando para se transforma­r na Guatemala ou em El Salvador no que diz respeito à segurança, por causa da falta de investimen­tos”. Ele acusa Vázquez de ter “medo de adotar medidas duras que possam não parecer simpáticas a sua base eleitoral de esquerda”.

Pesquisas de opinião recentes indicam aumento do apoio ao uso das Forças Armadas para o combate ao crime.

Vázquez rejeita a ideia porque “o Uruguai não está em guerra”, mas promete anunciar um pacote de medidas para melhorar a segurança.

“[O presidente] teme adotar medidas duras que possam não parecer simpáticas a sua base de esquerda

 ?? Diego Correa Bayarres/Folhapress ?? Criança pedala no bairro de Casabó, na região de Villa del Cerro, Montevidéu, onde homicídios sobem
Diego Correa Bayarres/Folhapress Criança pedala no bairro de Casabó, na região de Villa del Cerro, Montevidéu, onde homicídios sobem

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