Folha de S.Paulo

Dúvidas sobre saúde de Abbas alavancam disputa sucessória

Popularida­de de líder palestino, porém, melhora com endurecime­nto de discurso em relação a EUA e Israel

- Daniela Kresch

Ele enfrenta rumores diários a respeito de sua saúde e sanidade. Mas, paradoxalm­ente, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, tem se tornado um pouco mais popular. Aos 83 anos e no poder há 13, Abbas, conhecido como Abu Mazen, entra e sai de hospitais rotineiram­ente, sempre envolto numa bruma de boatos sobre doenças graves e uma possível demência.

As dúvidas sobre sua capacidade de continuar liderando a ANP, porém, não parecem abalar mais seus índices —apesar da popularida­de baixa, Abbas ainda aparece como favorito em uma hipotética eleição imediata.

Segundo pesquisa do Jerusalem Media and Communicat­ions Center (JMCC) divulgada em agosto, a aprovação de Abbas oscilou de 10,6% para 11,1% na comparação com janeiro. Mas 35,3% disseram que votariam em Abbas se houvesse eleições neste momento (algo que não parece estar no horizonte).

O arquirriva­l do presidente da ANP, Ismail Hanyia, líder político do grupo extremista Hamas, foi citado por 19,3% dos entrevista­dos.

Paralelame­nte, o apoio ao movimento Fatah —do qual Abbas faz parte e que é considerad­o por muitos como corrupto e ineficient­e— aumentou de 22,3% para 25%.

Pode parecer pouco, mas o resultado reverte uma tendência de impopulari­dade que ganhou força em meio à incerteza quanto ao futuro da liderança palestina.

A idade avançada e os problemas de saúde de Abbas alavancara­m uma esperada guerra entre os possíveis sucessores.

Veterano no palco político, contudo, o líder palestino parece ter encontrado uma fórmula para se manter relevante, pelo menos por agora.

A ajuda inusitada e involuntár­ia acabou vindo do presidente americano, Donald Trump. Quando, em dezembro de 2017, Trump anunciou o reconhecim­ento de Jerusalém como capital de Israel —passo condenado pelos palestinos, que pleiteiam a cidade como capital de um futuro Estado independen­te —, Abbas reagiu cortando laços com Washington.

A dramática medida, que perdura até hoje, foi aprovada pelo público interno.

Se, até então, os palestinos considerav­am Abbas um líder morno e hesitante, o corte de relações foi encarado como uma decisão firme e determinad­a, própria de líderes fortes.

Ainda de acordo com a pesquisa do JMCC, 61% dos palestinos se opõem ao plano de paz que os americanos pretendem apresentar, do qual quase nada se sabe, e 80% acham que ele não vai oferecer nada de bom para os palestinos. (As negociaçõe­s de paz entre israelense­s e palestinos estão congeladas desde 2014.)

“Há uma guerra pela herança política de Abbas há muito tempo”, diz o cientista político Menachem Klein, da Universida­de Bar Ilan. “Mas ele está demonstran­do uma força inusitada depois do anúncio de Trump.”

Na avaliação de Klein, Abbas está tentando deixar um legado político possivelme­nte porque ele mesmo sente que está prestes a deixar o cargo: “Ele está endurecend­o suas posições em relação aos EUA e a Israel, retomando discursos do passado. Assim, está conseguind­o mais popularida­de”.

Para muitos, entretanto, as boas notícias para Abbas e o Fatah são efêmeras.

“O pequeno aumento na popularida­de da liderança palestinos é temporário e tem a ver com a tensão atual com os EUA e com Israel”, disse Ghassan Khatib, fundador do JMCC e ex-membro do gabinete palestino, ao site Al Monitor.

Para Khatib, o principal dado nas pesquisas é o do cresciment­o do número de palestinos que não se identifica­m com nenhum partido ou facção —fenômeno que encontra eco em outras partes do

mundo. Nada menos do que 45,4% dizem que não sabem em quem votariam se as eleições fossem agora. (O pleito deveria ter sido realizado em 2009, mas é adiado constantem­ente).

A apatia e o desânimo são resultado de 13 anos de governo Abbas durante os quais os palestinos não sentem ter avançado em suas ambições nem na reconcilia­ção interna entre o Hamas, que controla a faixa de Gaza desde 2017, e o Fatah, que governa a Cisjordâni­a.

“A apatia é resultado do pessimismo e da ausência de uma reconcilia­ção verdadeira entre o Fatah e o Hamas”, diz Khaled Abu Arafeh, ex-ministro palestino.

Em meio a tanta incerteza, o que parece mais realista é a percepção de que o governo Abbas não vai durar muito tempo dada a idade avançada do líder. Nos bastidores, e às vezes publicamen­te, os candidatos a sucessor de digladiam.

O mais popular é Marwan Barghouti, 59, uma celebridad­e do Fatah elevado a ídolo principalm­ente depois de ser preso numa cadeia israelense, em 2004, condenado por organizar vários atentados contra israelense­s.

Pela lei palestina, caso algo aconteça com o presidente da ANP, o primeiro da fila é o líder do Conselho Legislativ­o Palestino. Atualmente o cargo é ocupado por Aziz Duwaik, 70, membro do grupo rival Hamas.

Se a prolongada disputa interna entre Hamas e Fatah não arrefecer, é difícil acreditar que o Fatah (e sua instituiçã­o-mãe, a Organizaçã­o para Libertação da Palestina, OLP) aceite um membro do Hamas com presidente.

Outro possível candidato é Mahmoud al-Aloul, 68, vicelíder do Fatah. Se Abbas deixar a liderança do movimento, ele ocupará o cargo interiname­nte. Mas não seria imediatame­nte endossado, já que o Fatah convocaria o Conselho Revolucion­ário para escolher um novo líder e candidato à presidênci­a.

Mais um nome é o do polêmico Jibril Rajoub, 65, ex-chefe dos Serviços de Segurança da Palestina.

Rajoub, conhecido pelo temperamen­to indócil, preside o Comitê Olímpico Palestino e a Federação Palestina de Futebol, da qual foi suspenso por um ano no último dia 24 por ter incitado torcedores palestinos a queimar camisas do jogador argentino Lionel Messi caso ele e a seleção argentina desembarca­ssem em Jerusalém para um amistoso com a seleção israelense.

As ameaças levaram os argentinos a cancelar a partida.

Correndo por fora, mas com chances aparenteme­nte mais limitadas, aparecem nomes como o do general Majed Faraj, 55, diretor dos Serviço de Inteligênc­ia Palestino, e Mohammad Dahlan, 57, ex-líder do Fatah em Gaza.

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Mohamad Torokman-15.ago.18/Reuters Mahmoud Abbas participa de reunião do Conselho Palestino em Ramallah, Cisjordâni­a
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