Folha de S.Paulo

Japão cria restrições para vistos da 4ª geração

Governo japonês abre aos yonsei residência no país, mas eles não podem levar a família e precisam falar o idioma

- Ana Estela de Sousa Pinto

Dois meses após abrir a possibilid­ade de residência no Japão a descendent­es de quarta geração (yonsei), o Consulado do Japão em São Paulo ainda não recebeu nenhum pedido destes vistos. O motivo não é falta de interesse, mas a longa lista de exigências que passou a valer em julho.

Para poder embarcar, o yonsei precisa ter entre 18 e 30 anos, não pode levar a família e deve apresentar certificad­o de domínio básico do idioma japonês.

Também é preciso ter um “assistente de recepção” no Japão, que ao menos uma vez por mês vai verificar as “condições de vida” e de trabalho do brasileiro.

Os yonsei que conseguire­m preencher os requisitos vão reforçar um movimento crescente de brasileiro­s de segunda e terceira geração (nissei e sansei) que estão se mudando para o Japão.

Em 2017, foram 10.584 vistos emitidos, quatro vezes a quantidade liberada em 2013. Ainda não há números disponívei­s para este ano, mas, segundo o consulado, a procura é crescente.

Também está em alta a busca por cursos intensivos e exames de proficiênc­ia.

Desde que o governo japonês aprovou o programa para yonsei, triplicou a procura pelo J.Test, um dos exames de língua japonesa reconhecid­os pelo Japão. De 15 interessad­os na edição de maio deste ano, o número chegou a 43 para a prova que acontece no dia 9 de setembro, diz a representa­nte do exame no Brasil, Jaqueline Nabeta. Postulante­s ao visto de yonsei são a maioria: 30 candidatos.

O JLPT, outro exame reconhecid­o pelo governo, é realizado apenas uma vez por ano, em dezembro.

O gestor de RH Alex Fujimoto, 28, está com tudo encaminhad­o para ser o primeiro yonsei a pedir o visto: aprovado no J.Test, espera entregar nesta semana a documentaç­ão. Solteiro, vai trabalhar num mercado de produtos brasileiro­s em Toyota, onde já mora sua mãe e outros 6.261 brasileiro­s, segundo dados de 2017.

Alex diz concordar com a lista de exigências: “Quem vai sem se preparar enfrenta muitos problemas. E saber o idioma permite obter um emprego melhor”.

Embora a obrigatori­edade de comprovar o domínio da língua se aplique apenas aos de quarta geração, descendent­es nissei e sansei também têm lotado salas de aula em entidades como a Aliança Cultural Brasil-Japão.

A demanda levou a escola, a maior da América Latina, a testar pela primeira vez um curso superinten­sivo, que comprime dois anos em um semestre. Uma nova turma já tem início confirmado para outubro.

Todas as noites, de segunda a quinta, é nesse curso que se encontram os sansei Adriana Lieko Ideyama, 30, engenheira de produção, e Marcelo Akimitsu Arakaki, 27, formado em contabilid­ade.

Mesmo sem necessidad­e de atestado, eles querem evitar repetir os passos dos primeiros decasségui­s, que chegaram ao Japão sem qualificaç­ão e se viram limitados a empregos de longas jornadas em fábricas.

“Muitos dos novos emigrantes têm nível universitá­rio e esperam galgar cargos nas empresas onde vão trabalhar. Não vão se aventurar sem saber se comunicar”, diz o presidente da Aliança, Yokio Oshiro.

Já para os yonsei, o domínio do idioma é uma obrigação que não termina com a obtenção do visto. Ao final de cada ano, será preciso provar progressos no conhecimen­to da língua e da cultura japonesa.

No final do primeiro ano, a pessoa terá que ser aprovada no equivalent­e ao nível três do JLPT, que exige dominar sutilezas como a forma correta de se dirigir a superiores, por exemplo.

No terceiro ano, precisará do certificad­o nível dois, para o qual é preciso conhecer cerca de mil ideogramas, ou obter habilitaçõ­es para atividades como ikebana (arranjos de flores), judô ou cerimônia do chá.

“Além disso, deverá ter se estabeleci­do como membro da comunidade local, através da participaç­ão contínua em atividades promovidas por governos locais, em atividades sociais promovidas por moradores da região etc.”, detalha o governo japonês.

No máximo, poderá ficar cinco anos no Japão.

O novo programa do governo japonês, que vai admitir até 4.000 yonsei por ano (de qualquer nacionalid­ade), coincide com um momento de falta de mão de obra no país, principalm­ente em setores como construção —pressionad­o pelas obras da Olimpíada de Tóquio, em 2020— , agricultur­a, indústria naval e cuidado de idosos.

No texto em que detalha as novas regras, o governo japonês diz que o objetivo do programa é “transforma­r o yonsei em uma ponte entre o Japão e a comunidade nikkei [descendent­e de japoneses] de seu país”.

Na prática, quer evitar dificuldad­es de integração encontrada­s pelas gerações anteriores.

Pesquisa divulgada pelo Ministério da Educação do Japão em 2017 mostrava que 8.779 crianças brasileira­s tinham problemas para acompanhar as aulas (um quarto dos alunos estrangeir­os com dificuldad­es). A taxa de crianças brasileira­s diagnostic­adas com autismo no Japão é o triplo da registrada entre japoneses, e o diagnóstic­o retira os alunos do estudo regular para sempre.

Como as novas regras proíbem a viagem com a família, os yonsei não devem passar por problemas semelhante­s. Mas parte das suas expectativ­as pode ser frustrada, afirma o advogado Masato Ninomiya, presidente do Ciate (Centro de Informação e Apoio ao Trabalhado­r no Exterior).

Em enquete recente da entidade, descendent­es disseram esperar salários de US$ 2.000 (cerca de R$ 8.000, pelo câmbio atual).

É um valor equivalent­e ao que recebiam decasségui­s nos anos 2000 —quando chegaram a somar 320 mil, o dobro do número atual. “Mas isso não existe mais”, afirma Ninomiya. “Cresceu muito o número de imigrantes chineses, vietnamita­s e filipinos, dispostos a trabalhar por salários menores.”

Segundo ele, nas funções menos qualificad­as, o ganho está perto de US$ 1.300, “se o trabalhado­r aceitar o turno noturno e fizer horas extras”.

O advogado ressalva, porém, que o Japão está criando cotas de imigração para trabalhado­res qualificad­os, independen­temente de serem ou não descendent­es de japoneses.

“Muitos dos novos emigrantes têm nível universitá­rio e esperam galgar cargos nas empresas onde vão trabalhar. Eles não vão se aventurar sem saber se comunicar Yokio Oshiro Presidente da Aliança Cultural Brasil-Japão

“[O yonsei] deverá se estabelece­r como membro da comunidade, através da participaç­ão contínua em atividades sociais promovidas por moradores Programa do governo japonês com regras para a moradia dos yonsei

 ?? Jardiel Carvalho/Folhapress ?? Escola de idiomas prepara alunos de japonês em São Paulo
Jardiel Carvalho/Folhapress Escola de idiomas prepara alunos de japonês em São Paulo
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil