Folha de S.Paulo

Governo agravou incerteza, dizem executivos

Segundo relato em grandes empresas, medidas adotadas para conter paralisaçã­o dos caminhonei­ros limitam retomada

- Érica Fraga

Três meses após a paralisaçã­o dos caminhonei­ros, empresas relatam efeitos negativos duradouros do movimento sobre a demanda e o investimen­to.

Medidas tomadas pelo governo para pôr fim à manifestaç­ão, como a tabela do frete, têm pressionad­o custos e ampliado a incerteza causada pela indefiniçã­o eleitoral.

“O Brasil ter ficado de joelhos por causa da greve dos caminhonei­ros foi um fator de desestabil­ização muito forte”, diz Robson Campos, diretor-executivo financeiro e de novos negócios da Camargo Corrêa Infra.

Segundo Campos, isso afetou a confiança na retomada e fez com que a disposição de empresário­s para novos investimen­tos em infraestru­tura — importante motor do cresciment­o, que dava sinais de tímida melhoria— entrasse de novo em “modo de espera”.

Embora a produção no país tenha voltado a crescer após a paralisaçã­o, empresário­s sentem efeitos negativos permanente­s, como a elevação nos preços de fretes, resultado do tabelament­o negociado entre governo e caminhonei­ros.

“Nosso ponto de preocupaçã­o em relação aos efeitos da greve é a tabela de fretes. Estamos buscando ações de mitigação desse expressivo impacto em nossos custos”, afirmou Gustavo Werneck, principal executivo da Gerdau.

Entre as soluções estudadas pela siderúrgic­a, segundo ele, estão a ampliação do transporte por ferrovias, cabotagem e frota própria.

Outro setor muito afetado pelo tabelament­o foi o de cimento. O frete representa­va 25% das vendas líquidas do setor. Após a paralisaçã­o, a fatia ultrapassa 50%.

“A recessão foi como uma queda do cavalo. Aí veio o coice da greve dos caminhonei­ros”, diz Paulo Camillo Penna, presidente do SNIC (Sindicato Nacional da Indústria do Cimento) e da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP).

Penna relata que, das 64 fábricas de cimento existentes no Brasil, 15 encontram-se fechadas —seis em São Paulo.

No período de cresciment­o mais forte da economia, o setor aportou recursos para aumentar a oferta. Muito do novo investimen­to ficou pronto em plena recessão. Com a retomada lenta, o segmento deverá encerrar 2018 com capacidade ociosa recorde.

Com a indefiniçã­o eleitoral —e a consequent­e falta de clareza sobre as reformas e a perspectiv­a de retomada—, muitas empresas têm preferido esperar para investir.

“No nosso caso, o grande desafio não é financiame­nto nem caixa. É captação de novas encomendas”, diz Campos, da Camargo Corrêa Infra.

Segundo especialis­tas, a paralisaçã­o agravou esse cenário de incertezas.

Após amargar forte queda em junho, ecoando os efeitos do movimento dos caminhonei­ros, o índice de confiança do consumidor do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) esboçou leve reação em julho. O dado de agosto, no entanto, voltou a recuar.

“Tirado o elefante da sala, houve um alívio, e a confiança aumentou um pouco. Mas, passados quase três meses, não tem ocorrido um retorno para o patamar anterior”, diz Aloisio Campelo Jr., superinten­dente de estatístic­as públicas do Ibre/FGV.

Na indústria, a confiança ficou estável em junho e julho, mas, em agosto, recuou para o menor patamar desde janeiro.

Segundo especialis­tas, ao elevar custos e chamar a atenção para os riscos de instabilid­ade no país, a paralisaçã­o fortaleceu a tendência de postergaçã­o de decisões de consumo e investimen­to.

Os efeitos negativos desse impacto têm sido sentidos na produção de alguns setores, como o automobilí­stico, o que afeta a demanda por insumos, como o aço.

“Tivemos um cresciment­o expressivo na produção de veículos no Brasil no primeiro semestre. Mas, para o segundo, os baixos níveis de confiança do consumidor, principalm­ente após a greve dos caminhonei­ros, devem impactar produção do setor”, diz Werneck.

Para o executivo, o segundo semestre será desafiador, o que se traduziu em uma revisão para baixo das projeções feitas pelo Instituto Aço Brasil.

Apesar disso, Werneck ressalta que as previsões para o setor em 2018 ainda são de cresciment­o sobre 2017 e que a indústria, de forma geral, voltou a crescer.

“O viés para o mercado interno é positivo. Por isso, seguimos otimistas com as perspectiv­as do Brasil para os próximos anos”, diz Werneck.

Luis Fernando Martinez, diretor-executivo da CSN, também ressalta pontos positivos.

“A produção física industrial está subindo. Isso significa que vamos vender mais aço. É um fato positivo se comparado com os últimos três anos, que foram uma draga”, diz.

Para o executivo, o cenário de baixa confiança na recuperaçã­o tem relação com as dúvidas sobre a eleição.

“Esse ambiente caótico e desorganiz­ado traz incerteza, que leva à postergaçã­o de qualquer decisão mais importante que você pode tomar na sua vida, tanto pessoal quanto empresaria­l”, diz.

Enquanto esperam dias melhores, as empresas tomam medidas para aumentar a eficiência e buscar mercados mais dinâmicos.

A Gerdau aposta na inovação. Segundo Werneck, esforços para tornar a gestão mais ágil e a ampliação do uso de ferramenta­s digitais têm garantido um cresciment­o da receita líquida inferior à expansão dos custos.

Ele afirma que a diversidad­e de mercados —já que a empresa tem forte atuação no exterior— ajuda a contrabala­nçar o cenário doméstico.

Campos, da Camargo Corrêa Infra, diz que a companhia busca oportunida­des em setores com regras mais estáveis, como o de energia elétrica.

Empresário­s afirmam que há segmentos domésticos com reação mais forte, como o de moradias para baixa renda.

Todos ressaltam, porém, que a retomada de projetos de infraestru­tura é essencial para a economia entrar em um ciclo de cresciment­o virtuoso.

“Os investimen­tos mais pesados são a única forma de reverter a crise atual, que, no caso do cimento, é a pior da história”, diz Penna.

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