Folha de S.Paulo

Artista plástica usa tablet para pintar após diagnóstic­o de esclerose múltipla

Aplicativo permite que Regina Pena, 66, continue a fazer seus quadros, agora no meio digital

- Vinícius Lemos

O dedo indicador da artista plástica Regina Pena, 66, desliza sobre a tela do tablet anexado à sua cama, em um residencia­l geriátrico particular, em Cuiabá.

Na tela do aparelho, Regina usa formas geométrica­s para criar imagens. A arte digital foi a forma que encontrou para se expressar, após ser diagnostic­ada com esclerose múltipla, doença na qual o sistema imunológic­o ataca células nervosas e causa dificuldad­es na comunicaçã­o entre o cérebro e o corpo.

Regina começou a pintar aos 16 anos. Tornou-se profission­al aos 22. Pintava quadros com o que chama de temas realistas, de paisagens. Para elaborar as pinturas, se inspirava em fotografia­s. As principais eram inspiradas em locais de Mato Grosso, como os rios e pássaros da região.

Para pintar as telas, utilizava tinta acrílica. “Eu amava o cheiro dos quadros. Era um dos meus aromas preferidos.”

Os problemas de saúde começaram em 2005. Ficava sem forças e perdeu o controle do lado esquerdo do corpo.

A princípio, os médicos apontaram que ela teria sofrido uma isquemia cerebral. O diagnóstic­o aconteceu sete anos depois. “Quando desco- briram, a doença havia avançado e eu estava em uma cadeira de rodas”, afirma.

Em 2007, Regina parou de produzir quadros, por não ter forças para segurar o pincel. Nesta fase, começou a escrever poemas. Em 2012, decidiu lançar um livro com os textos. Ela também queria fazer as ilustraçõe­s da obra, mas a doença a impedia de retomar a pintura com pincéis.

“Uma amiga me disse para aprender a pintar no tablet, mas eu achava que isso não era arte.” No tablet, as pinturas são baseadas no cotidiano, principalm­ente no noticiário da televisão.

As imagens são feitas por meio do aplicativo Sketchbook. Nele, Regina consegue controlar brilho, aproximar ou afastar a imagem, definir a espessura e a textura de seu traço. “Para mim, é igual à pintura em tela”, diz.

Para concluir cada pintura digital, a artista leva de um a três dias. Nos quadros físicos, eram de quatro a seis dias para ter a obra pronta.

Regina estima ter feito mais de 400 quadros digitais, com imagens que considera mais abstratas que aquelas que fazia anteriorme­nte.

Entre as notícias escolhidas para serem retratadas em suas pinturas digitais, há casos de violência. “Eu acompanhei o caso da morte da menina Vitória [Gabrielly, assassinad­a em junho, no interior de SP] e isso me marcou”, detalha. Ela fez três quadros em alusão à morte da garota de 12 anos.

Os quadros da menina assassinad­a se chamam “Vitória”. Há outros nomes como “Noturno”, no qual retrata uma imagem noturna na Chapada dos Guimarães, e “Mulher e o Livro”.

Há três anos, Regina enfrentou um câncer no intestino. A situação agravou ainda mais o estado de saúde dela. Hoje, a artista não consegue mais sentar. Ela passa o dia deitada em uma cama. “A pintura tem me ajudado a suportar tudo isso”, afirma.

Regina faz tratamento­s para tentar aliviar os sintomas da esclerose múltipla, que não tem cura. Há um mês, as dores ficaram intensas e ela suspendeu as pinturas. “Vou voltar a pintar quando as coisas melhorarem”, diz.

No próximo ano, Regina planeja fazer uma exposição. Para ela, a única distinção entre a pintura no tablet ou em tela é a ausência dos cheiros das tintas. “O processo criativo é o mesmo. Tudo vem da intuição, do imaginário e das memórias afetivas.”

“Uma amiga me disse para aprender a pintar no tablet, mas eu achava que isso não era arte

Tudo vem da intuição, do imaginário e das memórias afetivas Regina Pena, 66 artista plástica

 ?? Alair Ribeiro/MídiaNews ?? A artista plástica Regina Pena, 66, manuseia um tablet em sua cama, em Cuiabá. Duas pinturas feitas no tablet remetem ao assassinat­o de Vitória Gabrielly, 12, ocorrido na cidade de Araçarigua­ma (SP); “Foi um caso que me chocou bastante”, diz Regina
Alair Ribeiro/MídiaNews A artista plástica Regina Pena, 66, manuseia um tablet em sua cama, em Cuiabá. Duas pinturas feitas no tablet remetem ao assassinat­o de Vitória Gabrielly, 12, ocorrido na cidade de Araçarigua­ma (SP); “Foi um caso que me chocou bastante”, diz Regina
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil