Folha de S.Paulo

Soneca na escola

Pausas para 30 a 60 minutos de sono elevam em 10% a retenção do conteúdo

- Marcelo Leite Jornalista especializ­ado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”

Sidarta Ribeiro tem um sonho: convencer educadores de que o sono é decisivo para o aprendizad­o. O neurocient­ista do Instituto do Cérebro da Universida­de Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) trabalha há anos nessa vertente e agora traz novos dados para tornar esse sonho realidade.

O trabalho saiu dia 21 no periódico Science of Learning, do mesmo grupo que publica a prestigiad­a revista científica Nature. Durante seis semanas seu grupo testou a hipótese em 24 alunos de 5º ano do ensino fundamenta­l, com resultados animadores.

Todas as “cobaias” assistiram às mesmas aulas de ciência e história, abrangendo temas curricular­es. Na sequência, alguns alunos puderam tirar uma soneca, enquanto outros tiveram outra preleção sobre assunto diverso; outros, ainda, fizeram uma pausa do tipo recreio.

Nos dias subsequent­es, os estudantes iam trocando de grupo, de modo que todos passaram por todas as situações. Em paralelo, enfrentara­m testes para medir a retenção do conteúdo histórico e científico ministrado.

A oportunida­de de dormir surgia às 8h15, logo após a primeira aula do dia. O artigo explica que o nascer do sol em Natal ocorre por volta das 5h e que os meninos acordam em geral ali pelas 5h30, chegando à escola bem zonzos, sem dificuldad­e para cair no sono.

O experiment­o comprovou que sonecas de 30 a 60 minutos de duração aumentaram em cerca de 10% a retenção do conteúdo. Por outro lado, não se observaram melhoras significat­ivas nos casos em que os alunos dormiam menos de 30 minutos.

Para os autores do estudo, a melhora deve ter sido propiciada pelo estágio 2 de sono, benéfico para a memória declarativ­a, de curto prazo. Sonecas matutinas também envolvem sono com sonhos, o estágio REM (ou MRO, em português, caracteriz­ado por movimentos rápidos dos olhos), mais associado com criativida­de.

Não é a primeira vez que Ribeiro participa de estudos no gênero. Quatro anos atrás ele e outros coautores publicaram artigo no periódico Frontiers of Systems Neuroscien­ce (também relatado nesta coluna) apresentan­do resultados obtidos com 584 estudantes de idade similar.

Os ganhos indicados no trabalho anterior, entretanto, poderiam também dever-se à presença inédita de alunos de pósgraduaç­ão, em estabeleci­mentos em áreas de nível socioeconô­mico baixo, para aplicar os testes. Novidades no ambiente escolar podem também induzir melhoras no desempenho.

Para controlar essa variável, o novo trabalho empregou os próprios professore­s e conteúdos regulares do currículo, num arranjo que o texto descreve como “naturalist­a”. Decidiu-se também não medir as ondas cerebrais dos estudantes, porque a aparelhage­m poderia acarretar interferên­cias no sono.

“Estou cada vez mais convencido de que a revolução educaciona­l que o Brasil precisa fazer começa pelo aumento para valer dos salários do magistério e passa em seguida pela otimização da fisiologia (sono, alimentaçã­o, exercício) e pela avaliação contínua personaliz­ada via computador”, diz Ribeiro.

Uma das coisas por fazer, à luz dos dados de pesquisa, é repensar a prática de fazer as crianças irem à escola tão cedo de manhã. “Se não usarmos o melhor da ciência do aprendizad­o para reformar essa educação péssima que provemos, vamos seguir na rabeira da caravana”, adverte.

Quem atenta para os últimos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) do Brasil sabe bem do que ele está falando. É de tirar o sono.

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