Folha de S.Paulo

Libertador­es aprisionad­a

Para formar grandes equipes aqui é necessário mais treino do que grana

- Paulo Vinícius Coelho Jornalista, cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018)

As quartas de final da Libertador­es terão 4 clubes argentinos, 3 brasileiro­s e 1 chileno. Há seis anos, o Brasil não supera a Argentina no número de candidatos à taça, entre os oito melhores. Em 2012, havia 4 brasileiro­s e 2 argentinos. Hoje, o sucesso é inversamen­te proporcion­al ao investimen­to.

Boca Juniors, Independie­nte e River Plate recebem, em média, metade do dinheiro de TV de Palmeiras, Cruzeiro e Grêmio. Só que os cifrões, na América do Sul, servem para contratar os jogadores que a Europa não quer. Não compra craques indiscutív­eis. Para formar grandes equipes aqui é necessário mais treino do que grana.

Embora sempre se foque a relação custo-fracasso do futebol brasileiro, há outra visão a partir do duelo que haverá entre Cruzeiro e Boca Juniors. Entre o clube do técnico mais longevo da Série A, Mano Menezes, contra o segundo da Argentina, Guillermo Barros Schelotto.

O treinador do Boca assumiu em março de 2016 e completará cem partidas neste domingo (2), contra o Vélez. Mano foi contratado em julho do mesmo ano e tem 153 partidas. Mano tem quatro meses a menos de trabalho e 54 jogos a mais. Tem mais dinheiro e menos treino.

“Esse dado é arrebatado­r”, disse Mano Menezes, ao perceber a diferença dos números.

Quando se discute a qualidade dos times brasileiro­s e se compara o nível de investimen­to dos rivais, quando se observa que Atlético Nacional, da Colômbia, e Independie­nte del Valle, do Equador, foram finalistas da Libertador­es, enquanto brasileiro­s e argentinos chupavam o dedo em 2016, é necessário olhar também quanto tempo se treina.

Nos últimos cinco anos, apontou-se para a importação de técnicos como solução. Nesta semana, o colombiano Reinaldo Rueda, ex-Flamengo, respondeu a este colunista. A mensagem apontava os números de Mano x Schelotto e questionav­a sua opinião sobre o desempenho dos times do Brasil.

Rueda disse: “Qualidade é mais importante do que quantidade. Com certeza, muitos jogos e viagens impedem bom nível. É quase impossível realizar treinament­os com alta intensidad­e. Fazemos só recuperaçã­o e partidas”. Nesta semana, além de culpar os treinadore­s, virou moda globalizar o bairrismo. Apontar a interferên­cia política dos argentinos, como nós, paulistas, falávamos em cariocada nos anos 1970. Por favor...

Nos últimos sete anos, Brasil e Argentina empataram cinco vezes em número de representa­ntes nas quartas de final. Em 2014, havia 3 argentinos e 1 brasileiro. Em 2012, 4 brasileiro­s e 2 argentinos. De 2010 para cá, foram 5 troféus do Brasil e 2 da Argentina. O contrapont­o é que os clubes daqui não chegaram à final de 2014 a 2016.

Para as finais deste ano, o Independie­nte está pior do que há dez meses, quando venceu a Copa Sul-Americana. Boca Juniors e River Plate melhoraram desde a fase de grupos. O Grêmio caiu de produção em comparação com a temporada passada, e o Cruzeiro só venceu 1 de seus últimos 8 jogos.

O Palmeiras está mais seguro defensivam­ente desde a chegada de Felipão. Desapontou contra o Cerro e não tem a segurança de um treinador que trabalhe há dois anos, como outros candidatos. Tem o elenco mais homogêneo, não necessaria­mente o mais talentoso. Do Palmeiras, só Borja foi para a Copa. O Boca cedeu 3 jogadores, o River e o Grêmio, 2.

Se a Liga dos Campeões é uma prova de regularida­de, a Libertador­es é de resistênci­a. É preciso sobreviver à fase de grupos com viagens de 12 horas, como de Avellaneda a Barquisime­to, em Independie­nte (ARG) x Lara (VEN).

De Lisboa a Moscou, trajeto mais longo da próxima Liga, Porto e Lokomotiv viajarão seis horas. Treinarão mais. Provavelme­nte, jogarão melhor.

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