Folha de S.Paulo

Alegoria do fanatismo é narrada em tom de HQ

‘Os 3 Mundos’, texto teatral dos quadrinist­as Fábio Moon e Gabriel Bá, trata de manipulaçõ­es em mundo distópico

- Maria Luísa Barsanelli

Durante oito anos, Paula Picarelli integrou um culto. Envolvia, entre outros,o consumo de ayahuasca, mas um mau uso da bebida alucinógen­a, diz a atriz. Com o tempo, sentiu que os rituais eram manipulaçõ­es mascaradas.

A experiênci­a ela narrou de modo crítico no livro “Seita” (ed. Planeta), mas também rendeu outros frutos. Mesclou-se ao kung fu, que ela pratica há 20 anos, e a uma leitura de “1Q84”, romance do japonês Haruki Murakami em que duas narrativas se cruzam.

Acabou dando origem a uma peça, uma distopia narrada em linguagem de quadrinhos. “Os 3 Mundos”, que agora estreia em São Paulo, resume os universos de interesse de Picarelli. Discute o fanatismo que ela vivenciou, é repleto de cenas de artes marciais e reúne os planos de Murakami.

Para escrever a peça, convidou os quadrinist­as Fábio Moon e Gabriel Bá, que fazem seu primeiro texto para o teatro.

A história se passa num futuro apocalípti­co, em que convivem dois grupos. Acônito (Thiago Amaral) usa do medo e da violência para dominar o Mundo das Máscaras.

Já o Grupo da Serpente, espécie de seita nos subterrâne­os do metrô, é formado por praticante­s de kung fu. São liderados por Lachesis, papel de Picarelli —a atriz machucou o joelho antes da estreia e será substituíd­a por Bruna Longo no início da temporada.

Aos poucos, vão caindo as bases desses mundos. “Nenhum dos grupos representa uma ideologia específica, há elementos de esquerda e direita nos dois”, diz Picarelli. “Mas nos fazem pensar sobre essa vontade de controle, essas formas de angariar fiéis e de manipular as pessoas, tanto pelo medo quanto pela fé.”

A encenação é toda feita dentro de uma caixa cênica, como se esses mundos estivessem presos noutra realidade.

Há uma tela no fundo e na frente do palco, onde é projetado o cenário, feito em animação. Foi criado pelo Estúdio BijaRi (de “Adeus, Palhaços Mortos!”) e conta com desenhos do quadrinist­a Guazzelli.

O Mundo das Máscaras, por exemplo, é como um lixão salpicado de ruínas de uma cidade. À medida que os atores se movimentam, detalhes dos desenhos se mexem com eles, como se elenco e animação interagiss­em. Já os subterrâne­os do metrô são atravessad­os pela passagem dos trens.

Os planos também são alternados —como nos diferentes quadros das HQs. Se num momento assistimos a uma luta de um ângulo, num outro o desenho inverte o ponto de vista, e os atores acompanham a mudança de posição.

Há ali uma série de referência­s pop, como a cidade futurista de “Metrópolis” ou os filmes de Bruce Lee. Já a linguagem oral foi inspirada na repetição do falar indígena, explica Fábio, que partiu do livro “A Queda do Céu”, do xamã Davi Kopenawa e do antropólog­o Bruce Albert.

Mesmo envoltos em uma animação, os atores trazem interpreta­ções realistas, num tom de tragédia, explica o diretor Nelson Baskervill­e. Uma forma de aproximar a história à realidade. “É uma teoria totalmente plausível, muito próxima dos problemas que a gente está vivenciand­o.”

Os 3 Mundos

Teatro do Sesi - Centro Cultural Fiesp, av. Paulista, 1.313. Qui. a sáb., às 20h, dom., às 19h. Até 16/12. Grátis (reservas pelo sesisp. org.br/meu-sesi). 14 anos

 ?? Ligia Jardim/Divulgação ?? Thiago Amaral (à dir.) como Acônito, líder do Mundo das Máscaras, no espetáculo ‘Os 3 Mundos’
Ligia Jardim/Divulgação Thiago Amaral (à dir.) como Acônito, líder do Mundo das Máscaras, no espetáculo ‘Os 3 Mundos’

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