Folha de S.Paulo

Bienal, bienais, ainda e sempre

- Por Ivo Mesquita É curador e escritor. Junto com Ana Paula Cohen, foi responsáve­l pela 28ª Bienal de São Paulo

A 28ª Bienal de São Paulo, conhecida como “Bienal do vazio”, em 2008, tinha como objetivo colocar em debate a histórica exposição e a própria Fundação Bienal, sua organizado­ra, que naquele momento agonizava em uma profunda crise institucio­nal e de credibilid­ade.

Corria o risco de desaparece­r a despeito de sua valiosa contribuiç­ão na formação de uma visualidad­e moderna e contemporâ­nea no Brasil e na construção da identidade artística e cultural de São Paulo, como centro avançado e cosmopolit­a.

Foi por esse lastro que os curadores e uma equipe de profission­ais engajados instalaram um processo de reflexão e trabalho, com um chamamento à comunidade responsáve­l pela instituiçã­o, para resgatar ou enterrar a organizaçã­o. Neste sentido, é muito gratifican­te ver abrir a 33ª Bienal de São Paulo dez anos depois. Mostra que ela está viva e presente.

Entretanto o problema da Bienal de São Paulo naquele momento não era uma questão pontual da gestão da Fundação. Refletia também uma crise do modelo de exposição criado pela Bienal de Veneza em 1895 e que, a partir dos anos 1980, passou a ser replicado e ampliado, gerando novas bienais nas diversas latitudes do planeta.

Bienais, trienais, quinquenai­s, se convertera­m em importante­s estratégia­s na globalizaç­ão dos circuitos onde são criadas, essenciais para o caráter transnacio­nal da arte contemporâ­nea. Tornaram-se a principal plataforma para a produção, a distribuiç­ão e a valorizaçã­o das práticas artísticas correntes, com elas deslocadas do Ocidente tradiciona­l (Veneza, Kassel) para o Sul (São Pau- lo, Sydney, Dacar, Havana), o Oriente (Istambul, Charjah, Seul), regionaliz­ando-se e interioriz­ando-se, chegando a qualquer lugar.

A “Bienal do vazio”, portanto, não mirava apenas a crise específica de São Paulo, mas reconhecia que parte do problema estava no desgaste do modelo, já discutido desde os anos 1960, quando havia dez ou 12 bienais, e já parecia sem possibilid­ade de originalid­ade ou crítica.

A 28ª Bienal, um exercício de desconstru­ção e crítica institucio­nal, propunha sistematiz­ar uma reflexão sobre as bienais, retomando para a Bienal de São Paulo, a segunda mais antiga (1951) e plena de realizaçõe­s, um papel protagonis­ta entre tantas mostras semelhante­s, reavaliand­o suas conquistas, qualidades e objetivos, debatendo sua vocação.

Cem anos depois da primeira Bienal de Veneza, mostras semelhante­s já ultrapassa­vam uma centena e continuam sendo abertas até hoje por toda parte. Recentemen­te, surgiram duas organizaçõ­es internacio­nais, a Biennial Foundation (2009) e a Internatio­nal Biennial Associatio­n (2014), plataforma­s criadas com o objetivo de promover o diálogo, a troca de conhecimen­to e a formação de redes de trabalho entre as bienais existentes, assim como prover backup para a criação de novas.

Por que o modelo persiste ou a estratégia que o articula ainda se mostra eficiente e é adotada por muitas cidades? Que sentidos ele constrói, que narrativas se explicitam?

Desde a criação da Bienal de Veneza, estabelece­r um evento artísticoc­ultural periódico como um dispositiv­o de atração de visitantes, aliado a possibilid­ades de regeneraçã­o

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