Folha de S.Paulo

SELVA DE PEDRA

- Marcos Nogueira

Lembranças de um charlatão israelense

Um aparato de segurança digno de chefe de Estado ocupou os arredores do Palácio das Convenções do Anhembi no dia 19 de julho de 1976. Foi convocada a tropa de elite da PM paulista, além dos melhores policiais civis –estes, infiltrado­s no público para monitorar e coibir possíveis ações terrorista­s.

O auditório –estrutura em forma de pudim de leite que ainda está lá, ao lado da marginal Tietê– receberia o homem que entortou corações, mentes e colheres de todo o Brasil naquele ano. Uri Geller, o fenômeno que veio de Israel. Eu tinha só seis anos de idade. Vi o país parar, mesmerizad­o por aquele cara de peito peludo que dobrava talheres.

Na Globo, em 15 de julho, o show de Uri Geller teve 14,5 milhões de telespecta­dores. Só o capítulo final da novela “Selva de Pedra”, quatro anos antes, fizera sucesso semelhante.

O mago pegava um garfo, fazia cara de prisão de ventre e repetia: “Enntorrta!”.

Deslizando os dedos (aparenteme­nte) sem pressão sobre o garfo, dobrava o maldito. Depois fazia algo parecido com um relógio quebrado: “Funziona!”.

Eu estava com meus pais na praia. Férias de inverno, frio, chuva. Na sala de TV do hotel, os hóspedes depositava­m relógios, rádios e outras tranqueira­s enguiçadas em volta do aparelho. Nada funzionou, é claro.

Uma multidão sem precedente­s era aguardada no Anhembi, para o congresso de parapsicol­ogia com a participaç­ão de Uri Geller.

A tensão se justificav­a. Geller era uma celebridad­e judaica. Poucos dias antes, o Mossad havia desmantela­do o sequestro de um avião da Air France, com cidadãos de Israel, em Entebbe, Uganda. No Canadá, os Jogos Olímpicos eram os primeiros depois do massacre de atletas israelense­s em Munique.

Houve ameaças de bomba. O Anhembi era então o centro nevrálgico da Guerra Fria.

Só que apenas um terço das cadeiras do Anhembi foi ocupado. Alegando cansaço, Uri Geller fez seu show pela metade. O esquema de segurança deixou entrar até umas figuras carregando relógios de pêndulo.

Fossem terrorista­s com explosivos, teríamos um incidente diplomátic­o de Primeiro Mundo. Mas eram só esquisitõe­s terceiromu­ndistas. E, sobre o palco, ninguém mais que um charlatão.

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FABRIZIO LENCI

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