Folha de S.Paulo

VIAJA TRANCOSO

Hotel em Trancoso faz turista se sentir em casinha de pescador, mas sem abrir mão do ar-condiciona­do e do serviço de concierge

- Bruno Molinero texto Carla Romero fotos Trancoso (BA)

Hotel faz turista se sentir em casinha de pescador

Era uma chuva daquelas. O Quadrado, praça em Trancoso (BA) onde se concentram pousadas, restaurant­es badalados e turistas do mundo todo, era tomado por poça atrás de poça. O vento chegava a entortar as árvores, e o barulho do mar revolto ecoava pelas casinhas coloridas.

Corria o início dos anos 2000 e, para se proteger do toró, o holandês Wilbert Das escolheu um dos bares que abrigavam moradores e visitantes em busca de cerveja gelada. Enquanto tentava acender um cigarro úmido para aguardar o aguaceiro, notou que um cavalo também tinha entrado no boteco. “Ele ficou parado, e as pessoas agiam como se fosse só mais um dia. Acho que ninguém percebeu”, conta, em português com sotaque carregado. Foi nesse momento que ele se apaixonou ainda mais pela região e decidiu que não queria voltar.

Responsáve­l naquela época por toda a parte criativa da Diesel e um dos líderes da marca global, Wilbert largou pouco depois o norte da Itália e uma carreira internacio­nal de 21 anos no mundo da moda e do design para vestir bermuda e chinelo no sul da Bahia. Logo comprou uma casa no Quadrado e, após conhecer a história e os artesãos da região, inaugurou em 2009 o Uxua —”maravilhos­o” na língua dos índios pataxós e hoje um premiado hotel de luxo.

Na contramão do consumo pasteuriza­do, o lugar tenta escapolir da música instrument­al de elevador, da fila do self-service com omelete e salsicha no café da manhã e das decorações cleans que povoam hospedagen­s de São Paulo a Dubai, de Nova York a Pequim. A ideia é oferecer aos turistas a sensação de dormir em uma casinha de pescador ou em um alojamento dos biribandos —como os hippies que chegaram àquela região ainda isolada nos anos 1970 e 1980 eram chamados pelo nativos. Só que, é claro, com ar-condiciona­do, piscina e sem abrir mão de mimos e do serviço de concierge.

A tapioca ou a moqueca baiana recebem o toque de chefs e ingredient­es orgânicos. O jeito sossegado da região é costurado a conceitos de sustentabi­lidade. Moringas fazem as vezes de cúpulas para lâmpadas que pendem do teto. Cocares ornam as paredes e remetem aos pataxós, que vivem ali perto. A almesca, árvore típica do sul da Bahia, vira matéria-prima para produtos do spa. Cipós, cascas de árvores, mapas antigos e até um osso de baleia formam objetos que ajudam a criar o ar alternativ­o-chique do espaço.

O cresciment­o do hotel coincide com a própria consolidaç­ão do turismo de luxo em Trancoso. A Virtuoso, rede global de agências e experiênci­as do setor, elegeu no ano passado o destino como o principal point de fim de ano no Brasil. Nomes como Neymar, Kate Moss, Beyoncé e Will Smith recentemen­te deram as caras na vila, que oficialmen­te pertence à cidade de Porto Seguro.

Hoje, o Quadrado abriga lojas como Osklen, Lenny Niemeyer e Carmim. Restaurant­es vão do Capim Santo ao Maritaca. Uma unidade do Fasano assinada pelo arquiteto Isay Weinfeld deve ser inaugurada no ano que vem. E não é raro encontrar diárias que ultrapassa­m os R$ 1.500.

No Uxua, as tarifas vão de R$ 1.600 a R$ 5.200 por dia. Como parte da iniciativa de fazer os hóspedes mergulhare­m na cultura local, uma série de atividades extras pode ser acrescidas a esse valor. Aulas de capoeira custam R$ 150. O casal que quiser dançar forró desembolsa R$ 300 pela aula. Um pulo na praia do Espelho, distante 25 km por terra, sai por R$ 1.000, para duas pessoas. Nenhum dos preços inclui os 10% de taxa de serviço.

Além disso, o site uxuacasa.com comerciali­za itens do hotel —um banquinho com motivos indígenas é vendido por R$ 1.500, enquanto um lustre feito a partir de galho de árvore sai R$ 2.200. Para criar os objetos, há um ateliê onde trabalham artesãos locais e designers de toda parte, que podem fazer residência­s artísticas por ali. Tudo coordenado por Wilbert, que segue projetando, reformando e garimpando antiquário­s.

Os valores cobrados têm um reflexo imediato, sobretudo em épocas de crise econômica: 65% dos hóspedes atualmente são estrangeir­os. Quando a sãopaulo visitou o hotel, o repórter e a fotógrafa eram os únicos que falavam português no café da manhã.

Alguns desses turistas internacio­nais seguem os passos de Wilbert e buscam casas de veraneio no Quadrado. Hoje, além das 11 hospedagen­s, o Uxua administra sete residência­s particular­es. A reforma é feita pela empresa, que disponibil­iza os espaços na ausência dos proprietár­ios. Uma delas é a de Anderson Cooper, da CNN americana.

“Nossos clientes estão nos melhores destinos. Maldivas, Caribe, Saint-Tropez. Queremos atrair pessoas dispostas a pagar o justo por uma experiênci­a local”, diz o americano Robert Shevlin, colega de Wilbert na Diesel e hoje também dono do Uxua.

Como no conto de Guimarães Rosa, um cavalo bebendo cerveja fez o hotel surgir. Hoje, talvez ele pedisse um uísque. Ou uma caipirinha de limão plantado ali mesmo.

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Criança brinca no centrinho turístico da vila
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 ??  ?? Decoração do hotel Uxua, feita por artesãos locais; na página ao lado, piscina na casa do apresentad­or da CNN americana Anderson Cooper
Decoração do hotel Uxua, feita por artesãos locais; na página ao lado, piscina na casa do apresentad­or da CNN americana Anderson Cooper
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 ??  ?? Casas equilibram luxo e ar rústico
Casas equilibram luxo e ar rústico
 ??  ?? Poncho vendido por R$ 1.200 na loja do Uxua
Poncho vendido por R$ 1.200 na loja do Uxua
 ??  ?? Acima, bar do hotel na praia; ao lado, área interna com mata atlântica preservada
Acima, bar do hotel na praia; ao lado, área interna com mata atlântica preservada
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