Folha de S.Paulo

Susto natureba

- Alexandra Forbes

Noite dessas fui conhecer o Corrutela, na Vila Madalena, que tem pegada sustentáve­l e vem sendo elogiado. Da carta de vinhos, naturais e biodinâmic­os, pedi o branco Gutiflower, do chileno Cacique Maravilla. Foi impossível disfarçar o choque! Os aromas de piche e repolho fermentado eram tão repulsivos que tive de pedir para levarem aquilo embora. Como pode uma sommelière achar este vinho bom a ponto de colocá-lo na carta? “Ahhh, você é que não sabe nada sobre naturebas”, diriam membros da patrulha. Sim, porque os fãs dos vinhos naturais e biodinâmic­os, cada vez mais numerosos, tendem a ver seu crescente movimento por meio de um prisma messiânico. David e Golias. Quem tem poucas vinhas, ara a terra com burrico, colhe com as mãos e fermenta em ânforas é herói. Quem tem muitos alqueires, usa máquinas e adiciona sulfitos é mau.

Toda generaliza­ção é burra. Biodinâmic­os são vinhateiro­s que praticam uma agricultur­a em sintonia com a energia e os ciclos da lua, cuidam dos micro-organismos do solo e protegem a biodiversi­dade. Eles podem, a partir da colheita das uvas, fazer vinhos orgânicos convencion­ais ou escolher a rota natural, o que significa intervir o mínimo possível na vinificaçã­o. Deixar as leveduras fazerem o trabalho de fermentar o mosto livres e soltas e não filtrar no final.

As fronteiras que delimitam biodinâmic­os e naturais são finas e fluidas —e não existe uma cartilha internacio­nal. Mas, para a maioria dos natureba lovers, as minúcias importam menos do que o encanto de sentir que estão bebendo algo feito artesanalm­ente, sem agrotóxico­s, por um pequeno produtor. “As pessoas mentem para fazer o público sonhar”, diz o francês Michel Bettane, respeitado crítico de vinhos. “Biodinâmic­os podem muito bem adicionar sulfitos como conservant­e, por exemplo.”

Encanto é bom —desde que não vire tapa-olhos. Perdi a conta de quantas vezes sommeliers me serviram, orgulhosos, vinhos naturais que pareciam iguais, embora viessem de países diferentes: aroma de sidra, pouco corpo e sabor ácido. Nos defeitos, viam virtudes, porque eram fãs dos produtores. Historinha­s bonitinhas de vinhateiro­s heroicos e virtuosos, às vezes, fazem as pessoas esquecerem o principal: a maior virtude que um vinho pode ter é ser gostoso de beber.

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