RUMO AO CENTRO
Em alta, apês compactos estão no radar de jovens, recém-casados e usuários de apps de aluguel por temporada
Há quem olhe para o centro de São Paulo e chame de mau gosto aquilo que vê. Outros o enxergam como um bom lugar para morar, seja pela facilidade de acesso ao transporte público, seja pela crescente efervescência cultural. Há também um terceiro grupo que vislumbra uma chance de faturar com o mercado imobiliário.
Segundo pesquisa do Secovi-SP (sindicato da habitação), após três anos de quedas consecutivas na venda de imóveis na capital paulista, 2017 contabilizou um crescimento de 46%.
O centro é o grande protagonista dessa retomada —as vendas por ali mais que dobraram, com um aumento de 107%.
De cada dez imóveis lançados na cidade de São Paulo em 2017, dois ficam na região central paulistana. Entre os bairros que mais receberam apartamentos está a República.
Marina Colonelli, diretora do Escritório Paulistano de Arquitetura, que foi responsável pela reforma da Pinacoteca —um dos marcos das iniciativas de revitalização do centro—, diz que o início deste movimento se deu pelos preços atraentes dos imóveis, quando comparados aos de bairros de origem do público que hoje procura a região central, como Vila Madalena, Pinheiros e Itaim.
O fato de ser uma região já amplamente servida de infraestrutura e a chegada da Linha Amarela do Metrô à República impulsionaram ainda mais o influxo de novos moradores.
“Os paulistanos têm ainda dificuldade em ver na região um renascimento possível. Já os investidores estrangeiros estão de olho nas potencialidades extraordinárias de ‘retrofit’ dos prédios antigos”, diz Greg Bousquet, sócio da Triptyque Architecture.
Há dois meses, Renan Debes, advogado paulistano de 33 anos, trocou o Jd. Paulista, onde morava com os pais, por um estúdio de 35 m² na Santa Cecília, da construtora MAC. Para ele, o espaço reduzido não é um problema, pois “foi bem aproveitado, com móveis com dupla função”. Após uma reforma que começou nesta semana, sua noiva, a publicitária Grazielle Padrão, 26, passará a dividir o apartamento com ele.
Mas nem todos os compradores são consumidores finais. Há também aquele que usa o apartamento para investimento. De acordo com Lucas Tarabori, diretor-executivo operacional da Gafisa, em alguns empreendimentos, o percentual de apartamentos adquiridos para serem alugados pode chegar a 30%.
O Smart Santa Cecília, por exemplo, foi feito para ser usado de “home-share”, diz Tarabori. O prédio foi pensado para ser ocupado, em grande parte, por usuários de serviços como o Airbnb. O empreendimento também tem um aplicativo próprio, pelo qual se poderá alugar carros de propriedade do condomínio ou reservar um horário no espaço de coworking dentro do prédio.
O arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba (PR), que assinou o projeto de revitalização Novo Centro, de setembro de 2017, afirma que os novos estúdios trazem diversificação à região, pois dão acesso a pessoas com renda mais baixa.
O metro quadrado por ali possui um dos aluguéis mais caros da capital. Segundo o Secovi, apenas duas áreas têm médias de preços mais altas: “Zona Sul-A” (que inclui Jardins, Moema e Vila Mariana) e Zona Oeste-B” (que inclui Perdizes e Pinheiros).
Luanda Vannuchi, doutoranda da FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), mapeou e estuda os novos empreendimentos na região central paulistana.
Segundo ela, a maioria desses apartamentos —alguns com apenas 10 m²— não são soluções habitacionais adequadas para ninguém. “São [somente] para investidores.”
Esses empreendimentos se beneficiam de um centro que recebeu muito investimento público, continua Luanda. “Se você olha para esses lançamentos dos últimos cinco anos, vê que são unidades muito pequenas, o que permite que o metro quadrado fique muito mais caro.”
A arquiteta Marina Colonelli diz que “uma unidade de 28 m² no formato quitinete poderia ser uma alternativa viável a jovens de renda média, mas não por esse valor imposto pelo mercado”. Para ela, as construtoras se apropriam da valorização de uma região por melhorias nos equipamentos públicos. O resultado são espaços “cada vez menores, cobrando um valor por metro quadrado inversamente proporcional”, diz.