Fogo consumiu 90% do acervo, afirma portavoz do museu
Museu Nacional do Rio tinha desde o maior dino carnívoro do país a um dos fósseis mais antigos das Américas 90% do acervo em exposição foi queimado, diz vice-diretora
A perda causada pelo incêndio no Museu Nacional, maior desastre que já atingiu o patrimônio científico e histórico do país, ainda está sendo calculada.
A vice-diretora da instituição no Rio, Cristiana Serejo, disse que 90% do acervo exposto se perdeu. Havia dúvidas sobre a situação de Luzia, o fóssil mais antigo do Brasil.
Mais de 24 horas depois do maior desastre que já atingiu o patrimônio científico e histórico do Brasil, especialistas do Museu Nacional, ligado à UFRJ, ainda tentavam determinar a escala das perdas causadas pelo incêndio no Rio. A vice-diretora do museu, Cristiana Serejo, disse que 90% do acervo em exposição se perdeu, incluindo o Maxakalisaurus topai, quadrúpede herbívoro que era o maior dinossauro já montado no Brasil. Ainda havia dúvidas, segundo ela, sobre a situação de Luzia, esqueleto de 12 mil anos considerado um dos mais antigos das Américas. Tanto o fóssil quanto uma reconstrução do rosto de Luzia estariam sob uma área com escombros. Técnicos do museu não conseguiram acessar o local.
Do vasto acervo que a instituição tinha, as áreas correspondentes a arqueologia, paleontologia, antropologia e invertebrados (com cerca de 5 milhões de insetos) parecem total ou quase totalmente perdidas. O mesmo vale para laboratórios e salas de aula.
Mas, apesar da impressão inicial de destruição completa do prédio histórico, certas peças relevantes podem ter sobrevivido. A esperança de pesquisadores de áreas como arqueologia e paleontologia repousa, por enquanto, nos chamados armários compactadores, adquiridos recentemente, nos quais muitos itens estavam depositados.
O fogo não foi intenso o suficiente para destruir essas estruturas, o que significa que os materiais guardados neles teriam alguma chance de resistir ao incêndio.
Só será possível ter uma ideia mais clara disso, no entanto, nos próximos dias, quando pequenos focos de incêndio que ainda afetam os escombros forem debelados. Também é preciso afastar o risco de desabamento, que impede tentativas mais intensas de resgate por ora.
“Por enquanto, a Defesa Civil retirou todo mundo de lá. Não sabemos se vamos conseguir entrar amanhã [dia 4]”, diz a arqueóloga Denise Maria Cavalcante Gomes.
Também não se pode descartar a possibilidade de que o calor cause deformações ou outros tipos de dano a fósseis, fragmentos de cerâmica e materiais diversos, o que poderia inutilizá-los do ponto de vista científico, mesmo que não tenham sido tocados diretamente pelas chamas.
No entanto, a situação das peças que estavam fora dos compactadores tende a ser bem mais desesperadora. Gomes provavelmente perdeu material arqueológico (cerâmica e instrumentos de pedra), desenhos e cadernos de campo de escavações realizadas em locais como os sítios Aldeia e Carapanari, na região de Santarém (PA), que estavam em sua sala, sendo analisados para publicação em revistas especializadas.
Trocando em miúdos: trata-se de informação científica inédita que agora desapareceu para sempre.
A perda desses novos dados sobre Santarém é particularmente dolorosa porque o município paraense é um dos locais-chave para uma pequena revolução na arqueologia brasileira. Nas últimas décadas, estudos ali e em outras regiões da Amazônia têm mostrado que, antes da chegada dos portugueses, havia populações densas, com sociedades complexas e hierarquizadas e grande sofisticação artística na região amazônica.
O museu preparava ainda para este ano uma renovação completa de sua mostra sobre a pré-história da Amazônia.
“Infelizmente, o que estava fora da proteção, sendo descrito por alunos e pós-graduandos, provavelmente virou cinza”, diz Taissa Rodrigues, paleontóloga que fez seu mestrado e doutorado no Museu Nacional (de 2005 a 2011) e hoje é professora da Universidade Federal do Espírito Santo.
Dos muitos fósseis importantes que estavam no acervo, ela diz temer especialmente pelo Santanaraptor, um pequeno dinossauro carnívoro de 110 milhões de anos da chapada do Araripe (CE). Só existe um único fóssil conhecido da espécie, contendo tecidos moles (músculo e pele), uma raridade no que diz respeito a dinossauros do Brasil.
Áreas do acervo que ficaram incólumes por estarem armazenadas numa nova instalação incluem as coleções de vertebrados e de botânica. Minérios e meteoritos também teriam resistido ao fogo, entre eles o Bendegó, pedregulho espacial descoberto no sertão da Bahia no século 18 e levado para o museu ainda durante o reinado de dom Pedro 2º.
O fogo começou por volta das 19h30 de domingo (2), depois que o museu já havia encerrado a visitação. Os bombeiros controlaram o incêndio após seis horas, por volta das 2h de segunda (3). Parte do interior do edifício desabou.
A Polícia Federal fez perícia no local e vai investigar a causa do incêndio. Segundo o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, uma das suspeitas é que o incêndio tenha sido causado pela queda de um balão no teto do edifício, baseada em relatos de vigilantes. A polícia não tem indícios que corroborem essa hipótese até agora.
Uma outra possibilidade é que o incêndio tenha começado com um curto-circuito em um laboratório audiovisual da instituição, que passa por dificuldades financeiras e cortes em seu orçamento.
Nos últimos dez anos, pelo menos outro sete prédios com tesouros científicos e culturais sofreram incêndios, mas nenhum dessa magnitude.
Conheça abaixo alguns dos principais itens que faziam do museu um dos mais importantes da América Latina.
1 Meteorito do Bendegó
Descoberto no sertão da Bahia no fim do século 18, objeto vindo do espaço foi levado para o Rio de Janeiro em 1888 e adornava a entrada do museu. Por ser resistente a altas temperaturas, o meteorito em si não parece ter sido afetado.
2 Sarcófago da Dama Sha-Amun-Em-Su
Caixão de egípcia que viveu entre os séculos 9º a.C. e 8º a.C., foi presenteado a dom Pedro 2º quando visitou o Egito em 1876. Decorado com a simbologia típica dos mitos egípcios, pertencia a uma mulher que tinha o título de cantora do santuário do deus Amun na antiga cidade de Tebas.
3 Afrescos de Pompeia
Pinturas que foram presenteadas ao museu em meados do século 19 pelo rei das Duas Sicílias, dom Fernando 2º, cunhado de dom Pedro 2º. Tudo indica que teriam vindo do templo da deusa Ísis na cidade de Pompeia, destruída por uma erupção no século 1º a.C.
Botocudos
Cerca de 30 crânios desse grupo indígena do interior de MG e ES, quase exterminado devido a ataques patrocinados pelo governo de dom João 6º no começo do século 19, estavam abrigados na instituição.
4 Luzia
O esqueleto humano mais antigo do Brasil e um dos mais antigos de toda a América, com 12 mil anos de idade, correspondente a uma mulher jovem. Encontrada nos anos 1970, em MG, ela tinha feições peculiares, semelhantes às dos aborígines australianos atuais e diversas das dos indígenas modernos.
5 Maxakalisaurus topai
Descrito em 2006 por pesquisadores do museu, era um dinossauro quadrúpede e herbívoro de pescoço longo, pertencente ao grupo dos titanossauros, que viveu há cerca de 80 milhões de anos e media cerca de 13 m.
6 Múmia do Atacama
Cadáver mumificado de um homem que morreu há cerca de 4.000 anos no deserto do Atacama (Chile). Sua morte pode ter sido causada por uma fratura nos ossos da face.
Oxalaia quilombensis
Maior dinossauro carnívoro já descoberto no Brasil, com até 14 m de comprimento (comparável ao célebre Tyrannosaurus rex), focinho semelhante ao de um jacaré e hábitos semiaquáticos. Fora do museu, não havia outros fósseis da espécie.
Pterossauro (réptil voador) que viveu no Nordeste brasileiro, pode ter medido mais de 8 m de uma ponta à outra de suas asas. Outros espécimes valiosos de pterossauros também estavam na instituição, já que um dos principais especialistas do mundo, o paleontólogo Alexander Kellner, é o atual diretor do museu.
8 Trono de Daomé
Peça em madeira doada ao então príncipe-regente Dom João 6º em 1811, estava no acervo do museu desde 1818. O presente veio dos embaixadores do rei Adandozan de Daomé (1718-1818), que governava o território com esse nome na África Ocidental.
Leia mais nas págs. B4 a B6 7 Tropeognathus mesembrinus