Folha de S.Paulo

Pacote argentino provoca protestos e queda do peso

Para analistas, é preciso esperar reação do FMI e da oposição; argentinos protestam contra novo ajuste

- Sylvia Colombo Damian Dopacio/AFP

Pacote de medidas para estabiliza­r a economia, com nova taxa à exportação e redução de gabinete ministeria­l, resultou em protestos na Argentina. O peso acabou o dia como a moeda que mais se desvaloriz­ou ante o dólar.

O governo argentino anunciou, nesta segundafei­ra (3), um pacote de medidas para estabiliza­r a economia, que vem sofrendo nos últimos cinco meses “uma tormenta”, nas palavras do presidente Mauricio Macri.

Com a turbulênci­a, o peso perdeu 50% de seu valor ante o dólar em um ano e os juros foram elevados, na semana passada, a 60% ao ano —a maior taxa do mundo.

As medidas não foram bem recebidas. Manifestan­tes ocuparam às ruas para protestar, com apoio de oposicioni­stas, e o peso terminou o dia como a moeda que mais se desvaloriz­ou frente ao dólar.

Após o anúncio e a venda de US$ 100 milhões (R$ 413 milhões) pelo banco central argentino, o dólar fechou a 38,6 pesos.

Entre as medidas anunciadas estão um corte de 4% nos gastos da administra­ção pública e a redução pela metade do gabinete ministeria­l — de 22 para dez pastas, com a previsão de corte de servidores nos próximos dias.

Foi anunciado um novo imposto às exportaçõe­s —de 4 pesos para cada dólar nos produtos primários e de 3 pesos para cada dólar no restante.

O objetivo é adiantar o cronograma de redução do déficit fiscal a zero, previsto para 2020, já no próximo ano.

No pronunciam­ento, Macri destacou que este é “o pior momento de sua vida desde o sequestro” —nos anos 1990, ele foi vítima do crime por 12 dias.

Macri avisou que a recessão será mais longa e profunda do que se esperava, mas destacou que, às vezes, o caminho corre- to “não é linear”. “É necessário fazer ajustes de modo mais rápido do que queríamos.”

Ele atribuiu a piora da economia à seca que afetou o agronegóci­o, à instabilid­ade internacio­nal, com a guerra comercial entre China e Estados Unidos, e à corrupção herdada do governo anterior.

“[A corrupção] levantou dúvidas entre os que nos emprestava­m dinheiro para nos ajudar a atravessar este rio. Por isso, agimos rápido e buscamos o FMI [Fundo Monetário Internacio­nal], que nos tem dado total respaldo”, disse Macri. “A mensagem é clara: não podemos gastar mais do que temos.”

O ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, e a equipe econômica foram a Washington renegociar o acordo com o fundo —uma linha de crédito de US$ 50 bilhões (R$ 206 bilhões). A intenção é acelerar a liberação do empréstimo.

Para o analista Diego Martínez Burzaco, a desvaloriz­ação do peso após o anúncio indica que “o mercado reage com cautela para medir a credibilid­ade e o apoio às medidas”.

Um fator decisivo, segundo ele, é a reação da oposição, sem a qual o governo não aprova o orçamento de 2019, medida essencial para FMI ajudar a Argentina.

O economista Gustavo Ber disse que uma posição mais clara virá da negociação desta terça-feira (4) com o FMI.

No entanto, o analista Jose Luis Brea teme a reação da população. “Este é um novo pedido de sacrifício a uma sociedade cansada das últimas décadas de tarifaços, corralitos, cerco ao dólar e, nos últimos meses, várias promessas não cumpridas”, afirmou.

Vários protestos ocuparam diferentes pontos de Buenos Aires. A avenida 9 de julho ficou quase lotada.

CGT e CTA, as duas das principais centrais sindicais, reiteraram que a greve geral contra a política econômica e contra o acordo com o FMI está mantida para os dias 24 e 25.

Na quinta-feira (6) está marcado o início de outra greve, a dos trabalhado­res da Anses (previdênci­a pública).

Felipe Solá, da Frente Renovadora, uma corrente do peronismo moderado, disse que o discurso de Macri parecia “a leitura de um livro de autoajuda”.

O kirchneris­ta Agustín Rossi afirmou que seu bloco votará contra o orçamento.

“Não há a menor chance de aliança com nossa bancada para referendar um ajuste ainda maior do que o já foi feito”, disse o oposicioni­sta.

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Argentinos vão às ruas de Buenos Aires protestar contra novo ajuste do governo Macri; servidores temem novas demissões
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