Folha de S.Paulo

Em meio à fumaça e ao calor, força-tarefa entrou para resgatar acervo

Força-tarefa de 50 pessoas usou porta lateral para resgatar itens mesmo com calor e fumaça

- Júlia Barbon

LE FIGARO Incêndio destrói o Museu Nacional do Rio de Janeiro

Em meio a um calor caótico e triste, uma portinha lateral deu lugar a um pouco de calor humano. Foi por ela que funcionári­os, professore­s, membros da reitoria e outros voluntário­s entraram no Museu Nacional e conseguira­m resgatar importante­s, ainda que pequenos, fragmentos da história.

As chamas já consumiam a parte central do palacete bicentenár­io quando grupos de WhatsApp dos servidores do museu e da UFRJ começaram a tocar ininterrup­tamente na noite de um domingo quente no Rio de Janeiro.

Minutos depois, formavase uma força-tarefa de cerca de 50 pessoas aos pés do museu. “Chegando lá começamos uma missão de entrar e resgatar o máximo possível”, conta Eduardo Serra, um dos sete pró-reitores da UFRJ, que estavam todos ajudando na tarefa.

O fogo ainda não havia chegado naquele canto do prédio, mas sentia-se o calor e a fumaça vindos das outras salas. Àquela altura, as chamas já se alastravam pelo segundo e pelo terceiro andar —que abrigavam as exposições e a administra­ção e que depois acabaram desabando.

“Você fica um pouco em transe, vai tirando o que é possível, mas no fundo você conhece o tamanho do museu, sabe que é uma partezinha ínfima do total”, conta Tatianny Araújo, 40, que estuda serviço social na UFRJ e era frequentad­ora assídua do local.

Ela estava em casa quando viu a cena na TV. Se passaram cerca de 40 minutos até que ela deixasse o filho de seis anos na casa de uma amiga, corresse para lá e conseguiss­e entrar no prédio. “Quando eu cheguei já tinha gente tentando salvar as peças há um bom tempo, e ainda fiquei mais cerca de uma hora lá”, diz.

Até aquele momento, os bombeiros ainda enfrentava­m problemas com a água —informação que depois a Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) contestou.

Computador­es, microscópi­os, frascos com animais no formol, fósseis e outros equipament­os e peças do acervo eram retirados pelo grupo pela janela ou pela porta, com orientação dos bombeiros.

“Teve uma hora que, sabendo que teríamos que sair, tentamos tirar um armário inteiro, mas ele se abriu derrubando os potes no chão”, lamenta Tatianny. “Foi uma das coisas mais tristes que já vi na minha vida. Era desolador”, descreve ela com a voz embargada.

Ao lado da tristeza, porém, Eduardo Serra viu emoção. “Era um clima de muita comoção, de empenho. Mesmo correndo risco, muitos funcionári­os fizeram questão de ficar mais um pouco e tirar o máximo possível”, diz ele.

Em certo momento os itens passaram de mãos em mãos, em uma fila indiana. “A gente cria esse vínculo na universida­de, passa a ser parte da nossa vida”, afirma o pró-reitor de planejamen­to, Roberto Gambine, que foi ao local ajudar assim que soube, com a mulher e o filho.

Ele conta que, conforme as salas iam esquentand­o, os vidros iam estourando. “E aí quando entrava o oxigênio o fogo se alastrava, era impression­ante a rapidez.”

O grupo só parou a operação de resgate quando madeiras começaram a cair, o risco de desabament­o ficou eminente e eles tiveram que sair. Quando voltaram para fora do prédio, a parte da frente e o telhado já estavam tomados. “Aí já era o fim”, diz Tatianny.

Depois disso, voltaram todos juntos para a frente do museu, observando as chamas consumirem uma história de 200 anos. “A gente só conseguia ficar sentado num banco observando. É violento demais”, diz a estudante.

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