Folha de S.Paulo

Orçar na escassez

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Quatro anos atrás, o governo Dilma Rousseff (PT) enviava ao Congresso um projeto de Orçamento para 2015 compatível com o irrealismo da campanha à reeleição.

Estimava-se cresciment­o econômico de 3%, enquanto as projeções de analistas independen­tes rondavam apenas 1,2%. Pelo texto, a receita cresceria ainda mais, cerca de 7% acima da inflação, e permitiria generoso aumento de verbas para a educação e a saúde. Haveria, por fim, sobra de recursos para o abatimento da dívida pública.

A tradiciona­l estratégia de produzir peças orçamentár­ias ficcionais para acomodar todo tipo de demanda política, administra­tiva e social —um costume supraparti­dário no país— conheceu seus limites de maneira trágica.

Desnecessá­rio recordar a extensão do engodo então perpetrado e suas consequênc­ias. Mas tal contexto ajuda a compreende­r a melhora forçada no planejamen­to e na gestão das contas do Tesouro Nacional, bem como as frustraçõe­s dela decorrente­s.

No projeto que calcula a arrecadaçã­o e autoriza as despesas de 2019, recém-apresentad­o, não se acham boas notícias. O próximo presidente contará com verbas minguantes para obras de infraestru­tura e outros investimen­tos; em alta, só pagamentos de salários do funcionali­smo e aposentado­rias.

A crítica eleitoreir­a atribui esse estado de coisas ao limite estabeleci­do em 2016 para o gasto federal, como se a remoção do instrument­o tivesse o condão de produzir dinheiro —a receita calculada para o próximo ano é inferior à despesa não financeira em R$ 139 bilhões.

Neste momento, o teto tem a utilidade crucial de fornecer ao mercado credor um horizonte para o reequilíbr­io gradual das contas. Sem ele, o ambiente financeiro provavelme­nte estaria ainda mais conturbado pela incerteza.

Congresso e Executivo não mais dispõem do expediente de inflar as previsões de arrecadaçã­o para se verem livres da tarefa de estabelece­r, entre infinitos pleitos, o que é prioritári­o e o que é possível.

Seria otimismo demais imaginar que o realismo orçamentár­io está consolidad­o. Entretanto o panorama de severa escassez tem ao menos o efeito pedagógico de forçar escolhas por muito tempo adiadas.

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