Folha de S.Paulo

Fazer enquete on-line, mesmo debo a fé, pode dar multa de R$ 53 mil

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Diogo Rais Professor doutor de Direito Eleitoral da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e da FGV-DireitoSP. Coordenado­r do livro “Direito Eleitoral Digital”.

Por meio de uma enquete em seu perfil numa rede social, um eleitor pergunta em quem as pessoas votariam nas eleições.

Mas o único resultado válido que consegue é uma dívida de R$ 53.205, que vem com sua condenação pela Justiça Eleitoral. Este não é um caso hipotético. Existem diversos em que houve condenaçõe­s semelhante­s.

Para aplicação de multa, a legislação não difere se o autor de uma enquete é um candidato, um partido político, uma revista ou um jornal de grande circulação ou um mero eleitor curioso, usando uma rede social ou um blog.

Condenaçõe­s dessa espécie acontecera­m em vários estados brasileiro­s nas últimas eleições e, neste ano, já temos exemplos. Qualquer um que viole essas regras estará sujeito a punição, cuja multa mínima é de R$ 53.205, podendo ser aplicada em dobro no caso de reincidênc­ia. Dependendo dos fatos que envolvem a prática, é possível ainda haver uma investigaç­ão criminal.

A legislação brasileira requer diversos atos e demonstraç­ões estatístic­as sobre a seriedade de uma pesquisa eleitoral realizada. Exige o seu registro público, sendo permitido a qualquer interessad­o consultar o método, a população entrevista­da, o questionár­io utilizado, quem é o contratant­e e o valor contratado.

Já a enquete é equiparada à pesquisa fraudulent­a ou irregular. Porém, para punir aquele que a criou e divulgou, não se exige que ela seja fraudulent­a ou falsa.

A enquete pode ser verdadeira e ter sido criada com a melhor das intenções. Mas apenas por ser realizada ou divulgada em período eleitoral já violará suas regras. Qualquer pessoa que noticie a prática está sujeita à multa.

Nem sempre foi assim. Até as eleições de 2012, enquetes eram permitidas, desde que seu caráter estivesse claro.

No entanto, desde a lei 12.891/2013, são proibidas no período eleitoral. Para este pleito, estão vedadas desde 20 de julho.

Talvez a lei tenha se preocupado com o impacto da desinforma­ção que as enquetes possam promover no cenário eleitoral, pois, em vez de revelar a opinião de todos, refletem apenas a de seu criador e do grupo que o segue.

A existência de uma lei proibindo a prática não significa que ela jamais acontecerá, sobretudo na era da internet, na qual somos todos capazes de produzir instantane­amente uma enquete.

Equiparar a mera enquete a uma pesquisa fraudulent­a é, talvez, levá-la a sério demais. A legislação sujeita todos à aplicação de multa rigorosa, sem considerar peculiarid­ades do caso concreto e sem fazer qualquer gradação ou distinção entre um eleitor e, por exemplo, um gigante da imprensa. Essa equiparaçã­o colabora para a falta de efetividad­e da norma, criando decisões aleatórias e sujeitando o rigor da lei apenas a um ou outro cidadão que teve sua prática denunciada. Mas são as regras do jogo.

Legislação não difere se o autor de uma enquete é um candidato, um partido político, uma revista ou um jornal de grande circulação

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