Folha de S.Paulo

Embora parecidos, Trump e Bolsonaro têm diferenças cruciais, dizem analistas

Falta de apoio político e posição mais ideológica do brasileiro os distanciam, segundo especialis­tas

- Isabel Fleck

Durante a campanha, o candidato prometeu que, em seu governo, “não existirá o politicame­nte correto”, que o país deixará o Acordo de Paris sobre o clima, criticou a imprensa “fake news” e a China e disse que, no que depender dele, “todos terão porte de arma de fogo”.

A descrição poderia se referir à campanha do hoje presidente dos EUA, Donald Trump, mas as declaraçõe­s foram dadas no último ano por Jair Bolsonaro, candidato do PSL ao Planalto —que nunca escondeu sua admiração pelo mandatário americano.

À medida que a campanha avança, as menções a Trump têm se tornado cada vez mais frequentes. Na última semana, em Porto Alegre, Bolsonaro repetiu que Trump “está fazendo a América grande” e que brasileiro­s que moram nos EUA “estão felizes com ele” —segundo a última pesquisa Gallup, 54% desaprovam seu governo.

No entanto, apesar da clara tentativa de Bolsonaro de aproximar seu discurso da retórica do americano —seja no viés nacionalis­ta e em defesa da família, nas críticas à ONU, na linha dura sobre segurança ou na autodefini­ção antiestabl­ishment—, especialis­tas dizem haver “diferenças profundas” entre os dois casos.

A principal delas se refere ao apoio político. Trump, cuja candidatur­a inicialmen­te não foi levada a sério por líderes do Partido Republican­o, acabou tendo que ser respaldado pela legenda —que, com o Partido Democrata, domina o sistema bipartidár­io do país— ao vencer as prévias da candidatur­a.

Bolsonaro, por sua vez, é candidato pelo nanico PSL e conseguiu uma única aliança, com o também pequeno PRTB. A ausência de uma rede de apoio pesará não só nas eleições, como na viabilidad­e de um eventual governo.

“Trump, ou pelo menos o Partido Republican­o, controla hoje as duas casas do Congresso. Isso não será nem de longe o caso de Bolsonaro se ele for eleito”, diz Riordan Roett, professor da Universida­de Johns Hopkins e autor de três livros sobre política brasileira.

O brasiliani­sta Peter Hakim, presidente emérito do centro de estudos Diálogo Interameri­cano, concorda que a diferença de apoio político é o que pode ser mais determinan­te para que Bolsonaro não consiga ter o mesmo sucesso de Trump na disputa.

“Trump tinha o apoio do partido que comanda mais da metade do Congresso, e isso é fonte importante de financiame­nto, recursos, de tempo de TV. Bolsonaro não tem isso”, diz.

Hakim compara o primeiro turno no Brasil às prévias republican­as de 2016, quando 16 candidatos disputavam a candidatur­a pelo partido. Com o voto disperso, Trump conseguiu se sobressair e derrotar políticos tradiciona­is. Para ele, Bolsonaro poderia repetir o feito aqui no primeiro turno.

“E aí dependerá se o Bolsonaro vai ter ou não um opositor fraco no segundo turno. Hillary [Clinton] era uma candidata muito fraca”, afirma Hakim, destacando que, tanto nas eleições de 2016 nos EUA como no segundo turno brasileiro, grande parte do eleitorado votará na opção que menos rejeite. Para ele, é contra Geraldo Riordan Roett professor da Universida­de

Johns Hopkins e autor dos livros “The New Brazil” e “Brazil: Politics in a Patrimonia­l Society” Alckmin (PSDB) que Bolsonaro tem menos chances.

Na última pesquisa Datafolha, de agosto, Bolsonaro tinha a maior rejeição entre os candidatos no primeiro turno: 39%. Trump chegou à reta final das eleições com 61% de rejeição, Hillary, com 52%. A democrata chegou ater 2,8 milhões devotos (2,2% do total) amais queTrump,m aso republican­o acabou vencendo no número de delegados.

Outra diferença determinan­te, segundo os especialis­tas, é que as posições de Bolsonaro têm fundo ideológico, diferente de Trump, visto como mais oportunist­a. Na prática, isso significa que o candidato brasileiro poderia ser um presidente menos flexível.

“Bolsonaro é conduzido por crenças ideológica­s e religiosas muito profundas, enquanto Trump é totalmente pragmático e diz tudo que ele acredita que sua base quer ouvir naquele dia”, afirma Roett.

Bolsonaro, contudo, insiste na aproximaçã­o com Trump. No último mês, um de seus filhos, Eduardo, se encontrou em Nova York com o ex-estrategis­ta-chefe do republican­o, Steve Bannon. Apesar de aparenteme­nte não ter mais contato com Trump, Bannon foi peça fundamenta­l no início de seu governo. Procurado para falar sobre o encontro, Eduardo não respondeu.

O candidato brasileiro também se reuniu em julho com o embaixador americano no Brasil, Michael McKinley.

Segundo a embaixada, encontros com candidatos são normais “para entender suas opiniões sobre as questões atuais do país”. A Casa Branca afirmou que Bolsonaro não pediu nenhum encontro com Trump.

Nada, porém, aproxima mais os dois políticos que seus eleitores. Não necessaria­mente nas caracterís­ticas—o apoiador de Bolso naroémaisj ovem, rico e escolariza­do que o de Trump—, mas no sentimento.

“Eles apelam ao eleitorado que se sente frustrado com o sistema político atual ou que sente que seus valores morais estão esquecidos. Eles us ames saraiva deforma semelhante ”, diz Filipe Carvalho, pesquisado­r da E ur asia em Washington.

Para o especialis­ta, justamente por demonstrar­em entenderes saraiva e prometerem respondera ela nu mal inhamais dura, os dois desfrutam deu mabas e bastante leal. E, aos ec om pararaTrum­p, diz Carvalho, Bolsonaro não necessaria­mente conquista mais eleitores, mas reforça os que já tem.

“Quem gosta do Trump no Brasil já gosta do Bolsonaro. Então ele só está cristaliza­ndo isso e mantendo a base empenhada.”

“Trump, ou pelo menos o Partido Republican­o, controla hoje as duas casas do Congresso [nos EUA]. Isso não será nem de longe o caso de Bolsonaro se ele for eleito

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