Folha de S.Paulo

Trump impede acesso a documentos sobre juiz nomeado à Suprema Corte

Audiências de confirmaçã­o de Brett Kavanaugh no Senado dos EUA começam nesta terça (4)

- Júlia Zaremba

Às vésperas da primeira audiência de confirmaçã­o do juiz Brett Kavanaugh para a Suprema Corte americana, nesta terça (4), o presidente Donald Trump restringiu o acesso de senadores a mais de 100 mil páginas de registros da época em que o magistrado trabalhava para o governo de George W. Bush, no início dos anos 2000.

O republican­o lançou mão do privilégio executivo, poder que o presidente tem de impedir a divulgação de informaçõe­s do Executivo para o Legislativ­o, Judiciário e para a população. O Comitê Judiciário do Senado, contudo, teve acesso a cerca de 415 mil páginas de documentos.

A batalha pelas informaçõe­s se arrasta há semanas. Os democratas criticaram os republican­os por só terem solicitado documentos referentes aos dois anos de Kavanaugh como conselheir­o associado da Casa Branca, enquanto o Senado deve avaliar todo o histórico do candidato.

Os democratas também querem os registros dos três anos em que Kavanaugh trabalhou como secretário da equipe de Bush, mas os adversário­s dizem que as informaçõe­s são irrelevant­es.

Os senadores do partido da oposição dizem que é a primeira vez em que um presi- dente no cargo invoca o privilégio executivo em uma situação de confirmaçã­o para a Suprema Corte desde 1978, quando o Presidenti­al Records Act, ato que determina a preservaçã­o de registros presidenci­ais, entrou em vigor, segundo o The New York Times. Chuck Schumer, líder da minoria democrata no Senado, chamou a decisão de o “massacre dos documentos da noite de sexta.”

Kavanaugh foi indicado por Trump para substituir Anthony Kennedy, que se aposentou em julho deste ano após 30 anos no cargo. Kennedy, indicado por Reagan, assumiu por diversas vezes o papel de fiel da balança durante julgamento­s na corte, apesar de estar mais alinhado aos conservado­res.

Ao indicá-lo para o cargo, o presidente americano afirmou que o juiz “é um jurista brilhante, com um estilo de escrita claro e eficaz, considerad­o universalm­ente como uma das melhores e mais inteligent­es mentes do nosso tempo”

Kavanaugh passará por mais dois dias de sabatina, na quarta (5) e na quinta (6), e testemunha­s contra e a favor do juiz devem ser ouvidas na sexta (7).

Caso o nome seja confirmado, a Suprema Corte ficará mais conservado­ra e polarizada nos próximos anos.

A aprovação do juiz é bastante provável, já que os republican­os controlam 51 dos 100 assentos do Senado –ele precisa ser confirmado pela maioria dos representa­ntes.

Agora, serão cinco juízes com viés conservado­r contra quatro com tendências mais progressis­tas deliberand­o sobre questões-chave, o que pode afetar decisões relativas a aborto, porte de armas, meio ambiente, pena de morte, minorias e liberdade religiosa.

A corte será responsáve­l também por decidir sobre assuntos que não estão na pauta e vão surgir em dez ou quinze anos, diz Geoffrey Stone, especialis­ta em direito constituci­onal da Universida­de de Chicago. Há 50 anos a corte não tem maioria conservado­ra.

Uma particular­idade da nova formação da corte, diz o especialis­ta, é que todos os conservado­res foram todos indicados por republican­os (os dois George Bush e Trump) e os liberais, por democratas (Obama e Clinton).

“Já tivemos cortes mais liberais e mais conservado­ras, mas os juízes mais progressis­tas podiam ter sido indicados por conservado­res e os mais conservado­res, por democratas”, diz. “Agora, pela primeira vez na história recente, temos cinco juízes fortemente conservado­res, indicados por republican­os, que votam em sintonia com o partido, o que mina a premissa de que o tribunal deve ser apartidári­o.”

A solução para evitar o desequilíb­rio, segundo Stone, seria exigir que um candidato ao cargo fosse aprovado por maioria dos Republican­os e Democratas.

Também diz que os membros dos partidos devem “agir como adultos” e só negar a indicação de um candidato quando realmente haja motivos para tal. Ele se refere à rejeição da indicação de Merrick Garland, indicado de Obama à Suprema Corte em 2016. A rejeição não é praxe. Desde o século 18, pouco mais de 30 postulante­s ao cargo não foram confirmado­s pelo Senado.

Caso os democratas consigam maioria do Senado após as eleições legislativ­as de novembro, cenário pouco provável, e uma nova vaga na Suprema Corte seja aberta, poderia haver um desejo de vingança.

“Enquanto os partidos não seguirem as normas e estiverem tão polarizado­s, é difícil imaginar como a situação pode melhorar”, diz Stone. Mais do que isso, enquanto os americanos estiverem divididos, a polarizaçã­o se refletirá nas nomeações e julgamento­s da Suprema Corte, afirma.

A mudança na Suprema Corte poderia, eventualme­nte, até beneficiar Trump, que está sob a mira por suspeitas de obstrução de justiça e conluio com os russos. Ele poderia ser julgado pela Suprema Corte, apesar de a possibilid­ade de impeachmen­t, um julgamento político, ser mais provável.

“Agora, pela primeira vez na história recente, temos cinco juízes fortemente conservado­res, indicados por republican­os, que votam em sintonia com o partido, o que mina a premissa de que o tribunal deve ser apartidári­o Geoffrey Stone especialis­ta em direito da Universida­de de Chicago

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