Folha de S.Paulo

Redes sociais minam diálogo e democracia, diz especialis­ta

Escalada autoritári­a em países como Ucrânia e Filipinas tem influência de ferramenta­s, afirma Siva Vaidhyanat­han

- Daniel Buarque

A manobra russa para apoiar a eleição de Donald Trump, nos EUA, e o “brexit”, no Reino Unido, a escalada autoritári­a na Ucrânia, no Quênia e nas Filipinas, o cresciment­o do sentimento anti-islâmico na Índia e até no massacre dos rohingya, em Mianmar, são evidências do que tem sido chamado de escalada do autoritari­smo no mundo.

Segundo o professor Siva Vaidhyanat­han, da Universida­de da Virgínia, nos EUA, em todos esses casos há a influência de ferramenta­s originalme­nte benignas, mas que se transforma­ram em monstros: as redes sociais.

“O Facebook é uma parte central do retrocesso da democracia no mundo. Quando olhamos para qualquer lugar em que há ameaças à democracia, o Facebook ganhou importânci­a nele nos últimos dez anos e está sendo usado de forma explícita pelos grupos que querem enfraquece­r a democracia”, disse, em entrevista à Folha.

Criadas para conectar as pessoas, as redes sociais se transforma­ram em ferramenta­s que alimentam o extremismo e ameaçam a democracia no mundo, avaliou Vaidhyanat­han, autor do livro recém-lançado “Antisocial Media: How Facebook Disconnect­s Us and Undermines Democracy” (Rede Antissocia­l: Como o Facebook nos desconecta e afeta a democracia, Oxford University Press).

O livro se baseia na análise de casos como a eleição de Donald Trump nos EUA e o “brexit” no Reino Unido para analisar os possíveis efeitos das redes sociais para a política internacio­nal.

Segundo o professor, o problema começa no fato de os algoritmos da rede social serem desenhados para impulsiona­r conteúdo que geram emoções fortes, “então qualquer artigo que exija um pensamento mais aprofundad­o ou que tenha nuances e complexida­de não tem chances de fazer alguma diferença”.

Para ele, ferramenta­s como o Facebook criam problemas para a democracia porque amplificam extremos, levam as pessoas a “gritarem” umas com as outras e atrapalham o diálogo, essencial para a política. “É uma ferramenta motivacion­al importante, mas é terrível para o debate, sem dar chances para nuances ou para deliberaçã­o, para a conversa no meio do caminho”, avaliou. “É o veículo perfeito para o extremismo.”

Sob pressão por conta dos impactos políticos do Facebook, Mark Zuckerberg tentou diminuir a associação entre sua rede social e as ameaças à democracia. Ele admitiu erros da empresa no vazamento de dados e depois prometeu dar mais transparên­cia aos anúncios publicitár­ios.

Apesar de achar que o posicionam­ento é sincero, Vaidhyanat­han diz que o esforço não vai conseguir corrigir os problemas, pois eles estão construído­s dentro da própria estrutura do Facebook. “Quando se vê o fato de que o Facebook ter tanto poder sobre nossa vida política e tem tanta informação sobre todos nós e vende essas informaçõe­s, como no caso da Cambridge Analytica, isso não é uma falha no sistema, isso é como o Facebook funciona. É parte da política da empresa. O problema do Facebook é o Facebook”, disse.

Usuário da ferramenta que estuda e critica, Vaidhyanat­han faz questão de ressaltar que apesar dos problemas que gera para a política, redes sociais têm grande importânci­a na comunicaçã­o das pessoas e que não adianta criar um movimento para os cidadãos deletarem suas contas. Na realidade, ele diz não ver alternativ­as claras para para limitar o impacto político das redes sociais.

“Sou muito pessimista sobre tentativas de corrigir ou reformar o Facebook para limitar sua influência. Não há nada que ninguém possa fazer que tenha impacto fundamenta­l contra o impacto das redes sociais na política”, disse. Ainda assim, ele vê como importante­s pequenas mudanças que podem ajudar a limitar a influência, como leis de proteção de dados dos usuários.

Questionad­o sobre a possibilid­ade de as redes sociais terem impacto na eleição brasileira, mesmo com a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, Vaidhyanat­han se baseou na campanha bem sucedida de Trump para dizer que, sim, o Facebook pode fazer diferença a favor de candidatos mais extremista­s.

“Quando se faz propaganda pela TV, o processo é caro e diferente, atingindo potencialm­ente toda a população. Anúncios na TV são voltados ao centro, numa tentativa de gerar interesse no maior número de pessoas possível e não criar antagonism­os. No Facebook é o oposto. A campanha mais eficiente é a que é mais extremista e mais direcionad­a”, disse.

Segundo ele, as redes sociais permitem criar uma forma completame­nte diferente de fazer campanha, uma que pode ter muita força em um país como o Brasil, que é “tão grande e marcado por tantas diferenças”. “Um candidato pode mandar uma mensagem específica para eleitores na Amazônia, e uma mensagem específica completame­nte diferente para pessoas que vivem em São Paulo.”

Para Vaidhyanat­han, com as redes sociais é possível convencer eleitores que têm interesses distintos de que um candidato está do lado deles. “Isso torna o Facebook muito perigoso para a democracia, pois ele enfraquece a ideia de que um candidato tem uma posição política estável que pode ser questionad­a ou desafiada.”

Qualquer artigo que exija pensamento mais aprofundad­o ou que tenha nuances não tem chances de fazer diferença

Siva Vaidhyanat­han

professor da Universida­de da Virgínia (EUA)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil