Redes sociais minam diálogo e democracia, diz especialista
Escalada autoritária em países como Ucrânia e Filipinas tem influência de ferramentas, afirma Siva Vaidhyanathan
A manobra russa para apoiar a eleição de Donald Trump, nos EUA, e o “brexit”, no Reino Unido, a escalada autoritária na Ucrânia, no Quênia e nas Filipinas, o crescimento do sentimento anti-islâmico na Índia e até no massacre dos rohingya, em Mianmar, são evidências do que tem sido chamado de escalada do autoritarismo no mundo.
Segundo o professor Siva Vaidhyanathan, da Universidade da Virgínia, nos EUA, em todos esses casos há a influência de ferramentas originalmente benignas, mas que se transformaram em monstros: as redes sociais.
“O Facebook é uma parte central do retrocesso da democracia no mundo. Quando olhamos para qualquer lugar em que há ameaças à democracia, o Facebook ganhou importância nele nos últimos dez anos e está sendo usado de forma explícita pelos grupos que querem enfraquecer a democracia”, disse, em entrevista à Folha.
Criadas para conectar as pessoas, as redes sociais se transformaram em ferramentas que alimentam o extremismo e ameaçam a democracia no mundo, avaliou Vaidhyanathan, autor do livro recém-lançado “Antisocial Media: How Facebook Disconnects Us and Undermines Democracy” (Rede Antissocial: Como o Facebook nos desconecta e afeta a democracia, Oxford University Press).
O livro se baseia na análise de casos como a eleição de Donald Trump nos EUA e o “brexit” no Reino Unido para analisar os possíveis efeitos das redes sociais para a política internacional.
Segundo o professor, o problema começa no fato de os algoritmos da rede social serem desenhados para impulsionar conteúdo que geram emoções fortes, “então qualquer artigo que exija um pensamento mais aprofundado ou que tenha nuances e complexidade não tem chances de fazer alguma diferença”.
Para ele, ferramentas como o Facebook criam problemas para a democracia porque amplificam extremos, levam as pessoas a “gritarem” umas com as outras e atrapalham o diálogo, essencial para a política. “É uma ferramenta motivacional importante, mas é terrível para o debate, sem dar chances para nuances ou para deliberação, para a conversa no meio do caminho”, avaliou. “É o veículo perfeito para o extremismo.”
Sob pressão por conta dos impactos políticos do Facebook, Mark Zuckerberg tentou diminuir a associação entre sua rede social e as ameaças à democracia. Ele admitiu erros da empresa no vazamento de dados e depois prometeu dar mais transparência aos anúncios publicitários.
Apesar de achar que o posicionamento é sincero, Vaidhyanathan diz que o esforço não vai conseguir corrigir os problemas, pois eles estão construídos dentro da própria estrutura do Facebook. “Quando se vê o fato de que o Facebook ter tanto poder sobre nossa vida política e tem tanta informação sobre todos nós e vende essas informações, como no caso da Cambridge Analytica, isso não é uma falha no sistema, isso é como o Facebook funciona. É parte da política da empresa. O problema do Facebook é o Facebook”, disse.
Usuário da ferramenta que estuda e critica, Vaidhyanathan faz questão de ressaltar que apesar dos problemas que gera para a política, redes sociais têm grande importância na comunicação das pessoas e que não adianta criar um movimento para os cidadãos deletarem suas contas. Na realidade, ele diz não ver alternativas claras para para limitar o impacto político das redes sociais.
“Sou muito pessimista sobre tentativas de corrigir ou reformar o Facebook para limitar sua influência. Não há nada que ninguém possa fazer que tenha impacto fundamental contra o impacto das redes sociais na política”, disse. Ainda assim, ele vê como importantes pequenas mudanças que podem ajudar a limitar a influência, como leis de proteção de dados dos usuários.
Questionado sobre a possibilidade de as redes sociais terem impacto na eleição brasileira, mesmo com a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, Vaidhyanathan se baseou na campanha bem sucedida de Trump para dizer que, sim, o Facebook pode fazer diferença a favor de candidatos mais extremistas.
“Quando se faz propaganda pela TV, o processo é caro e diferente, atingindo potencialmente toda a população. Anúncios na TV são voltados ao centro, numa tentativa de gerar interesse no maior número de pessoas possível e não criar antagonismos. No Facebook é o oposto. A campanha mais eficiente é a que é mais extremista e mais direcionada”, disse.
Segundo ele, as redes sociais permitem criar uma forma completamente diferente de fazer campanha, uma que pode ter muita força em um país como o Brasil, que é “tão grande e marcado por tantas diferenças”. “Um candidato pode mandar uma mensagem específica para eleitores na Amazônia, e uma mensagem específica completamente diferente para pessoas que vivem em São Paulo.”
Para Vaidhyanathan, com as redes sociais é possível convencer eleitores que têm interesses distintos de que um candidato está do lado deles. “Isso torna o Facebook muito perigoso para a democracia, pois ele enfraquece a ideia de que um candidato tem uma posição política estável que pode ser questionada ou desafiada.”
Qualquer artigo que exija pensamento mais aprofundado ou que tenha nuances não tem chances de fazer diferença
Siva Vaidhyanathan
professor da Universidade da Virgínia (EUA)