Folha de S.Paulo

No Brasil, ganha mais quem pressiona ou chantageia?

- Carlos Ari Sundfeld Professor-titular da FGV Direito SP

são paulo O presidente Michel Temer apoiou a proposta de aumento dos subsídios dos ministros do STF, que depende de aprovação do Congresso Nacional.

Com isso, além de os juízes passarem a ganhar mais, haverá elevação dos gastos dos outros Poderes, pois subirá automatica­mente a régua que limita as remuneraçõ­es mais altas do serviço público brasileiro.

Segundo a Constituiç­ão, o valor pago a cada ministro do STF é o teto dos vencimento­s dos servidores.

Há dois pontos incômodos. O primeiro é a total falta de clareza da política salarial que orienta o governo.

O país não está passando por grave crise fiscal que exige reformas como a da Previdênci­a? E mesmo assim continua havendo espaço para gastar mais com pessoal?

Bem, talvez existam defasagens e desequilíb­rios nas remuneraçõ­es, mas será justamente o topo da pirâmide do serviço público que tem de ser atendido agora?

Como a política salarial pública é difícil de compreende­r, e não soa coerente, seu único critério parece ser o fato bruto do poder. No funcionali­smo brasileiro, ganha mais quem pressiona ou chantageia?

Como o Judiciário convenceu o presidente para conseguir seu aumento?

O noticiário fala em barganha. Os juízes deixariam de receber o auxílio-moradia que obtiveram de modo precário com uma liminar do STF.

Isso evitaria o aumento de despesas, ao menos no orçamento do Judiciário. E a classe dos juízes trocaria a tese jurídica incerta, usada no pedido de liminar, por um aumento permanente.

O modo como as notícias correram provocou um segundo incômodo.

Sugeriu-se que alguém teria feito promessas quanto à futura decisão jurisdicio­nal do STF sobre o auxílio-moradia. Não é crível, porém.

Ministros do STF têm tomado decisões polêmicas, algumas difíceis de entender ou aceitar, mas o colegiado jamais deu motivos para o país suspeitar da honestidad­e de seus membros.

Certo ou errado, o ministro Luiz Fux deu a liminar por haver se convencido da tese jurídica que lhe foi apresentad­a.

Nem ele nem os demais ministros, que ainda não se manifestar­am, mudariam de ideia sobre a interpreta­ção do direito em troca de vantagens para sua categoria. O STF pode ter seus problemas, mas é um tribunal sério.

Há uma forma honesta de implementa­r a troca.

O STF, usando sua prerrogati­va de apresentar projetos de lei ao Congresso, pode propor a revogação da norma legal que previu o auxílio-moradia.

Com a aprovação dessa mudança na Lei Orgânica da Magistratu­ra, a ação judicial perderia seu objeto.

Não por causa de interpreta­ções de conveniênc­ia, mas porque o Legislativ­o, com seu poder democrátic­o, terá encerrado o assunto.

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