Folha de S.Paulo

Opondo-se a Trump, Califórnia luta pela neutralida­de da rede

Estado tenta resgatar modelo amplo de acesso à internet instituído por Obama e depois suspenso por republican­os

- Alejandro Lazo e John D. McKinnon The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci Bernardo França

A Califórnia decidiu reaplicar as regras de internet aberta da era Obama, desafiando os esforços do governo Trump para revertê-las e colocando o estado no caminho de ter as regras de neutralida­de de rede mais fortes dos Estados Unidos.

O projeto de lei california­no proíbe os provedores de acesso à internet de bloquear sites, desacelera­r o download de conteúdo de um determinad­o site ou aceitar pagamentos para oferecer acesso mais rápido a sites.

A proposta se assemelha às normas adotadas pela FCC (Comissão Federal de Comunicaçõ­es) na era Obama.

A disputa quanto à neutralida­de da rede se tornou uma causa importante entre os democratas depois que a FCC, presidida por Ajit Pai, apontado por Trump, revogou as regras adotadas em 2015 para governar o comportame­nto dos provedores de acesso à internet.

O projeto aprovado pela assembleia da Califórnia no dia 30 de agosto agora retornará ao senado estadual, que havia aprovado medida semelhante anteriorme­nte.

Se o projeto vier a ser assinado pelo governador Jerry Brown, democrata, a Califórnia terá o conjunto mais forte de regras de neutralida­de da rede nos Estados Unidos.

Alguns especialis­tas duvidam que a imposição de regras de neutralida­de de rede por um legislativ­o estadual possa sobreviver às contestaçõ­es judiciais que surgirão da parte das organizaçõ­es setoriais de telecomuni­cações.

A revogação das normas pela FCC em 2017 incluía a afirmação de que todas as normas estaduais quanto à neutralida­de de redes perderiam a validade. Um porta-voz da FCC se recusou a comentar.

Se os estados não puderem impor seus padrões, os proponente­s da neutralida­de da rede esperam que a ação legislativ­a da Califórnia sirva de apoio à sua contestaçã­o judi- cial que pede a revogação das regras da FCC.

Segundo eles, ela foi imposta de maneira ilegal. O caso será julgado por um tribunal federal em Washington.

As empresas de telecomuni­cações fizeram lobby agressivo contra a proposta.

Elizabeth Hyman, vice-presidente-executiva da Associação da Indústria de Tecnologia e Computação, disse que a medida resultaria em uma confusão intranspon­ível de regras.

“A internet não está configurad­a de forma a lidar com fronteiras geográfica­s dentro do país, e um sistema de barreiras e bloqueios na internet terá efeito paralisant­e sobre o comércio e a inovação”, afirmou.

O esforço da Califórnia recebeu uma adesão inesperada quando os bombeiros que combatiam grandes incêndios em áreas de vegetação rasteira no estado afirmaram que o serviço de telefonia móvel perdeu velocidade dramaticam­ente por eles terem atingido limites de uso.

Os bombeiros argumentar­am que a redução de velocidade era violação das regras de neutralida­de de rede, porque a operadora lhes havia prometido cobertura ilimitada.

A operadora Verizon Communicat­ions pediu desculpas e disse que a restrição deveria ter sido suspensa —mas por causa da emergência, não porque a empresa tivesse cometido algum erro.

Os governador­es de seis estados americanos —Havaí, Montana, Nova Jersey, Nova York, Rhode Island e Vermont— assinaram ordens executivas recolocand­o em vigor parte das regras de neutralida­de de rede.

Os legislativ­os estaduais de Oregon, Vermont e Washington também adotaram leis de neutralida­de de rede. Mas nenhum desses estados foi tão longe quanto a medida aprovada pela Califórnia.

Em alguns casos, o projeto proíbe a prática cada vez mais frequente de permitir streaming irrestrito de conteúdo, conhecida como “zero rating”, nos casos em que isso favoreça alguns serviços diante de outros.

O texto afirma que acordos de interconex­ão —sob os quais um serviço online paga a provedores de acesso via cabo ou wireless para que estes carreguem seu tráfego— não podem ser usados por empresas como serviços de streaming de vídeo a fim de contornar as regras de neutralida­de da rede e obter velocidade­s maiores indevidame­nte.

“Eu preferiria um padrão nacional”, disse o senador estadual Scott Wiener, autor do projeto de lei da Califórnia. “Mas a realidade é que os mesmos provedores de acesso que estão se queixando da diversidad­e de regulament­os estaduais pediram ao governo Trump que eliminasse as proteções à neutralida­de da rede.”

A senadora democrata Dianne Feinstein tuitou seu apoio à medida. “Peço aos legislador­es em Sacramento que ajam para que o controle da experiênci­a online caiba aos usuários, e não aos provedores de acesso à internet”.

Em maio, o Senado votou por recolocar em vigor as regras de 2015, uma conquista dos democratas. O projeto de lei para isso está parado na Câmara dos Deputados.

Se o projeto for assinado pelo governador Jerry Brown, democrata, a Califórnia terá o conjunto mais forte de regras de neutralida­de da rede nos Estados Unidos

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil