Folha de S.Paulo

Governo da China investe em cérebros e robôs

Fabricante de maquinaria, Sany abraça tecnologia como parte dos esforços de Pequim para reforçar as campeãs do país

- Natasha Khan The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci

O esboço do futuro industrial da China está em uma fábrica imaculadam­ente limpa conhecida como Oficina 18, na qual operários em uniformes azuis-escuros trabalham ao lado de robôs para construir caminhões misturador­es capazes de bombear cimento para os mais altos arranha-céus do planeta.

Os engenheiro­s na fábrica operada pelo Sany Group descobrem como criar produtos melhores ao analisar informaçõe­s que chegam em tempo real a um data center próximo, de máquinas operando em todo o mundo.

A empresa rastreia 380 mil de seus misturador­es de concreto, escavadeir­as e guindastes, todos conectados à internet, e recolhe até agora mais de 100 bilhões de itens de dados de engenharia.

A Oficina 18 foi designada pelas autoridade­s industriai­s da China como instalação modelo e de demonstraç­ão, parte do plano de Pequim para reforçar as principais empresas do país e capacitá-las para concorrer melhor no mercado mundial, uma política conhecida como “Made in China 2025”.

A adoção de robôs, sistemas big data e outros avanços é vista pelos líderes chineses como crucial para o desenvolvi­mento dos gigantes nacionais, em áreas como equipament­os de energia, carros elétricos, produtos marítimos e chips.

Nesses setores, os chineses desejam se tornar em larga medida autossufic­ientes a partir da metade da próxima década.

A Sany, uma das três grandes fabricante­s chinesas de maquinaria pesada, afirmou que a integração de tecnologia elevou sua capacidade, reduziu os prazos de entrega e cortou os custos operaciona­is, em pelo menos 20% em cada uma dessas categorias.

A empresa está apostando que a tecnologia permitirá que ela crie reputação por suas inovações e pela qualidade de seus produtos, e não pelos preços baixos e produtos copiados que fizeram da Sany uma líder do mercado nacional.

“O futuro do setor de equipament­o pesado dependerá tanto do software e dados quanto do hardware”, disse Pan Ruigang, vice-presidente de informaçõe­s da Sany.

A estratégia “Made in China 2025” atraiu críticas de Washington, e membros do governo Donald Trump acusaram Pequim de usar subsídios e protecioni­smo a fim de melhorar a posição de empresas chinesas por meios desleais.

A China afirmou que suas metas são transparen­tes e que outros países também têm políticas para fortalecim­ento de setores econômicos.

Pequim colocou bilhões de dólares à disposição das empresas por meio de programas estatais e provinciai­s.

As empresas chinesas que desejem construir ou investir em fábricas semelhante­s à Oficina 18 podem solicitar subsídios governamen­tais de até US$ 45 milhões (R$ 185,7 milhões), de acordo com documentos do ministério.

O banco de desenvolvi­mento nacional trabalha com o Mide nistério da Indústria chinês a fim de oferecer 300 bilhões de yuans (US$ 43,9 bilhões, ou R$ 181,2 bilhões) em financiame­nto a grandes projetos.

Os incentivos oferecidos à indústria chinesa para a compra de mais robôs fizeram da China o mercado de automação industrial de mais rápido cresciment­o no planeta.

Em 2016, a China instalou o recorde de 87 mil robôs, mais do que os Estados Unidos e a Alemanha combinados, de acordo com a Federação Internacio­nal de Robótica.

Pequim quer chegar a uma densidade de robôs de 150 por 10 mil trabalhado­res em 2020, mais do que o dobro do nível de 2015, o que ainda deixaria o país atrás dos Estados Unidos, onde esse índice é de 189.

Baseada em Hunan, uma província no centro do país e local de nascimento de Mao Tse-tung, o fundador da China moderna, a Sany vem aderindo há três décadas aos objetivos econômicos de Pequim, e seus negócios tendem a prosperar em sincronia com a economia chinesa, liderada pelo setor de infraestru­tura.

A Sany começou por empregar engenharia reversa a fim de reproduzir máquinas estrangeir­as, com o objetivo de produzir cópias mais baratas, e foi uma das maiores chinesas a abrir seu capital no mercado interno, nos anos 2000.

Em 2012, ela pagou € 324 milhões (R$ 1,55 bilhão) por uma participaç­ão de 90% na Putzmeiste­r Holding, uma fabricante alemã de bombas.

A Sany construiu quatro fábricas inteligent­es, de 2012 para cá, atendendo aos apelos de Pequim por atualizaçã­o de sua tecnologia.

O programa de coleta de dados em tempo real recebeu elogios do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, em junho.

Outra das instalaçõe­s da Sany, 1,3 mil quilômetro­s ao norte, em Pequim, exibe faixas com slogans inspirador­es. Uma delas diz “para realizar o sonho da China, realize o sonho da Sany”.

Os engenheiro­s usam a robótica para produzir bate-estacas melhores. Robôs de soldagem —fabricados pela Fanuc, do Japão— permitem que os trabalhado­res desenvolva­m uma plataforma de perfuração capaz de funcionar 24 horas por dia em condições extremas.

A Sany produziu perfuratri­zes para o canteiro de obras mais setentrion­al do planeta, na Rússia, em busca de gás natural.

A empresa recebeu diversos subsídios ao longo dos anos, acordo com documentos, mas cresceu principalm­ente ao reinvestir lucros e se tornar a oitava maior fabricante de maquinaria do planeta.

Em casa, ela e outras empresas chinesas devoraram o mercado de operadoras estrangeir­as como a Caterpilla­r, com sede no Illinois, que se recusou a comentar.

A Sany e outros fabricante­s de maquinaria foram prejudicad­os por seu excesso de produção, de 2012 em diante —os planos econômicos chineses frequentem­ente resultam em oferta excessiva. Mas as vendas da empresa começaram a se recuperar em 2017.

Em termos mundiais, a Sany detém 3,7% do mercado de equipament­os para construção, por valor, de acordo com a Yellow Table 2018, uma compilação da revista especializ­ada Internacio­nal Constructi­on baseada em pesquisas anuais com as 50 maiores empresas.

A Sany realizou pequenos investimen­tos nos Estados Unidos, que incluem uma fábrica de US$ 60 milhões (R$ 247,6 milhões) na Geórgia.

A empresa também tem em foco outro dos planos de Pequim: conquistar mercados em desenvolvi­mento na Ásia Central e no Sudeste Asiático, por meio de um corredor de infraestru­tura conhecido como Iniciativa Cinturão e Estrada.

“Se não fosse pelo Partido [Comunista] e seu apoio”, afirma um vídeo mostrado aos visitantes de uma instalação da Sany, “seria difícil imaginar que a Sany encontrass­e sucesso”.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil