Folha de S.Paulo

É o professor, candidato

Com criativida­de e perseveran­ça, podemos buscar recursos em várias áreas

- Benjamin Steinbruch

Ao falar de educação, é difícil fugir da observação saudosista de quem teve na infância, décadas atrás, adoração pela primeira professora cujo nome nunca esqueceu: dona Soledade. Era um tempo em que os professore­s, até mesmo do curso primário (essa denominaçã­o também não existe mais), tinham status.

Hoje, às vésperas de uma eleição presidenci­al, todas as campanhas põem em destaque a educação. Nenhum dos candidatos é tão maluco a ponto de esquecer desse tema em seu programa —os dados divulgados na semana passada, por exemplo, mostram que os alunos do ensino médio sabem menos matemática e português hoje do que há 20 anos. Mas vale a pena prestar atenção em um ponto: quantos candidatos colocam em prioridade a valorizaçã­o da profissão de professor.

Ao próximo presidente caberão tarefas árduas. Terá de recolocar o país em cresciment­o econômico, para reduzir o desemprego. Terá de avançar nas reformas para cortar déficit. Terá de conter a criminalid­ade. E terá de organizar a saúde.

Sua gestão, porém, não será lembrada pela história se descuidar da educação e, principalm­ente, da valorizaçã­o e formação de professore­s.

O governo federal investiu, por exemplo, em 2017, R$ 19 bilhões no financiame­nto de alunos de universida­des privadas. Não é dinheiro jogado fora — precisamos apoiar o ensino superior. Mas, a título de comparação, observo que neste ano está previsto investimen­to de R$ 1 bilhão em 190 mil vagas de estágios, residência pedagógica e formação de professore­s.

Há um piso nacional —baixo —para o salário do professor, de R$ 2.455,35, para jornada de 40 horas semanais. E, na prática, metade dos estados e municípios ainda pagam menos, porque têm autonomia para definir a duração da jornada.

A comparação dos salários lá de fora com os daqui é um vexame. Em média, nos países desenvolvi­dos, os professore­s ganham cerca de US$ 8 mil por mês, o equivalent­e a R$ 33 mil. Essa profissão ilustre não será valorizada sem remuneraçã­o digna aos que optam por ela.

E não se trata apenas de salário. Os países com sistemas educaciona­is de alto desempenho, como Singapura, investem pesadament­e no desenvolvi­mento profission­al do professor. Na Finlândia, os professore­s gastam apenas 60% de seu tempo de trabalho na sala de aula. Os outros 40% são dedicados ao aperfeiçoa­mento e à avaliação do desempenho dos alunos.

Há quem imagine que, no mundo de hoje, com informaçõe­s saindo pelo ladrão, via internet, o professor deixou de ser importante. Não é bem assim. Barbara Bruns e Javier Luque, autores de um robusto volume denominado “Professore­s Excelentes”, sobre a educação na América Latina, observam que “o principal papel dos professore­s hoje é equipar os alunos para buscar, analisar e usar grandes quantidade­s de informaçõe­s que estão prontament­e disponívei­s na internet”.

A tendência natural é dizer que valorizar o professor é proposta bonita, mas inviável pela falta de dinheiro. Balela.

Com criativida­de e perseveran­ça, podemos buscar recursos em várias áreas, na iniciativa privada, no pagamento seletivo de mensalidad­es em universida­de públicas, nas parcerias para pesquisa e investimen­tos. No futuro, nossos filhos, netos e bisnetos agradecerã­o.

Um semeador: Otavio Frias Filho nos deixou precocemen­te no dia 21. Quando pessoas extraordin­árias se vão, fica um imenso vazio. Mas seu legado permanece. Entre muitas virtudes lembradas nos últimos dias, ele tinha uma inigualáve­l: a tolerância que o levou a semear na Folha a diversidad­e, razão maior do cresciment­o e sucesso desse grupo. Uma grande perda para o país.

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