Folha de S.Paulo

Dificuldad­e em fiscalizar imóveis públicos deixa patrimônio sob risco

- Fabrício Lobel

Fiscalizaç­ão frágil e até corporativ­ismo, segundo especialis­tas, são ingredient­es que colocam prédios no Brasil sob risco de incêndios devastador­es, como o que atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, na noite do domingo (2).

Para aumentar a prevenção contra incêndios, há quem peça maiores poderes aos bombeiros e quem reclame da falta de padrões nacionais ao exigir itens mínimos de segurança em edificaçõe­s.

No país, cabe aos municípios autorizar a ocupação de imóveis como escolas, hospitais, hotéis e escritório­s. Assim, as prefeitura­s podem exigir regras de segurança de prevenção a incêndios.

De maneira geral, por falta de recursos, as administra­ções municipais têm pouca estrutura para fiscalizar a aplicação dessas regras. Mas, por meio de convênios, elas podem transferir para o Corpo de Bombeiros dos estados a cobrança de itens de segurança nos imóveis novos.

É o que acontece, por exemplo, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, em que as prefeitura­s exigem um auto de vistoria dos bombeiros para liberar o uso de uma nova construção. No caso do Rio, os bombeiros respondem atualmente ao Gabinete de Intervençã­o Federal, que gere a segurança pública do estado desde fevereiro.

Mas, onde não há este tipo de acordo com os bombeiros, a fiscalizaç­ão é frágil, segundo o engenheiro Antonio Fernando Berto, chefe do Laboratóri­o de Segurança ao Fogo e a Explosões do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológic­as), de São Paulo.

Por isso, Berto defende concessão de maiores poderes aos bombeiros de todo o país, para que, ao identifica­rem o risco na ocupação de um imóvel, possam ter a atribuição de interditál­o. Essa não é uma prerrogati­va dos bombeiros em todos os estados. Uma frente parlamenta­r no Congresso estuda a padronizaç­ão de procedimen­tos nacionalme­nte.

Para o coronel da reserva e oficial dos Bombeiros paulista Sergio Athayde, o poder de interditar e conferir multas a imóveis inseguros teria efeito limitado no país. Isso porque, segundo ele, há uma dificuldad­e do Estado brasileiro em fiscalizar seu próprio patrimônio.

Há corporativ­ismo e disputas administra­tivas que emperram tomadas de decisões mais contundent­es, diz Athayde. “Pode se interditar shopping, clube, mas não interdita uma escola pública que não tenha o mínimo de acessibili­dade ou rota de fuga”. Ele sugere que o Ministério Público seja mais atuante na cobrança de condições mínimas de segurança em espaços públicos.

Um exemplo desse gargalo é o Museu da Língua Portuguesa, consumido por um incêndio em 2015, em São Paulo. Na ocasião, o local não tinha vistoria dos bombeiros que atestasse sua segurança.

O próprio Museu Nacional não tinha o laudo atualizado de vistoria dos bombeiros à época de uma fiscalizaç­ão do Ministério da Transparên­cia, Fiscalizaç­ão e Controlado­riaGeral da União, feita em 2014.

À época, o museu se justificou dizendo que, por ser tombado pelo patrimônio histórico, não conseguiri­a atender às exigências dos bombeiros.

Segundo Athayde, o fato de imóveis serem tombados não os impede de serem adaptados e se tornarem mais seguros contra incêndios.

“Podem-se adicionar cortinas ou tintas que sejam retardante­s ao avanço do fogo, ou adicionar outros equipament­os de detecção e de combate a incêndio. Mas no caso do Museu Nacional, não se cuidou nem dos cupins [em 2017, uma infestação de cupins danificou a base de um esqueleto de dinossauro no museu carioca]”.

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