Folha de S.Paulo

Em tom nostálgico, MAM celebra seus 70 anos revendo o acervo que perdeu

Mostra comemorati­va destaca as obras do museu que foram doadas ao MAC na década de 1960

- Silas Martí

Os mais velhos ainda lembram. Um dos maiores museus do país ficava escondido no terceiro andar de um prédio na Sete de Abril, no centro paulistano, com entrada pelo elevador dos fundos.

Foi ali, há sete décadas, que o Museu de Arte Moderna primeiro tentou trazer a São Paulo uma amostra das vanguardas estéticas que corriam a Europa e os Estados Unidos.

Uma das vedetes da exposição inaugural, um móbile todo branco do americano Alexander Calder flutuava no salão como sinal de uma nova era. A peça batizada pelo artista como floco de neve foi, apesar do nome gélido, o prelúdio de um momento de enorme ebulição no cenário artístico.

Setenta anos depois, agora emprestado da coleção do Museu de Arte Contemporâ­nea da USP, esse mesmo trabalho é a âncora visual de uma das salas da mostra que repassa a história do MAM, alojado desde a década de 1980 numa galeria de vidro debaixo da marquise do parque Ibirapuera.

O endereço antes provisório, reformado por Lina Bo Bardi sob as linhas sinuosas desenhadas por Oscar Niemeyer, acabou se tornando uma morada permanente.

Quis o destino que o irmão gêmeo do MAM fosse parar do outro lado da avenida. Quando o MAC trocou a Cidade Universitá­ria pelo antigo prédio do Detran, também de Niemeyer, o entrelaçam­ento histórico dessas duas instituiçõ­es ficou ainda mais evidente.

Tanto que o que mais aparece nesse recorte do melhor do MAM em suas sete décadas de existência são obras do MAC.

Os dois museus, no caso, têm a mesma origem. Ciccillo Matarazzo fundou a instituiçã­o dedicada ao modernismo em 1948, num espaço improvisad­o na metalúrgic­a da fa- mília. Três anos depois, com a primeira edição da Bienal de São Paulo, o MAM foi engordando seu acervo com as obras apresentad­as no evento.

Mas tudo mudou em 1963. Um tanto cansado da burocracia do museu, Matarazzo doou para a Universida­de de São Paulo sua riquíssima coleção de arte de vanguarda, arrematada num momento em que a Europa ainda apagava os incêndios da Segunda Guerra. O MAC surgiu então forjado da espinha dorsal do velho MAM, que se esvaziou.

E só voltou a encher anos mais tarde, embora o foco fosse outro. Desde então, o MAM construiu uma grande coleção de arte contemporâ­nea, deixando a modernidad­e para a instituiçã­o vizinha.

O fato de ambos os museus terem se repensado ao longo do tempo, aliás, funciona agora como o denominado­r comum da comemoraçã­o. “É superar impasses históricos e pensar daqui por diante o futuro das duas instituiçõ­es”, diz Helouise Costa, uma das curadoras à frente da exposição.

Nesse ponto, fica nítido que os nomes desses dois museus já não definem seus acervos, e que a ideia de modernidad­e — mais do que um momento histórico específico— ainda conduz os anseios dos vizinhos.

Um exemplo é a ala de fotografia da exposição, em que obras contemporâ­neas de Mauro Restiffe ecoam os contornos modernos das célebres “Fotoformas” de Geraldo de Barros, repisando a ideia de que todos ali tinham o novo —nesse caso, encarnado pelo geometrism­o— como farol.

“O imaginário modernista está presente o tempo todo”, diz Ana Magalhães, também à frente da mostra. “Isso está muito impresso nas coleções.”

Mesmo coerente com a história dos museus, a exposição resulta um tanto burocrátic­a, com peso demais para artistas menores e um atrito entre suas várias alas, em especial a última, dedicada a uma grande instalação de Nelson Leirner e a trabalhos de Rodrigo Braga, resumindo o que Felipe Chaimovich, curador do MAM, defende como a vertente ecológica desse acervo.

Esse recorte irregular, no entanto, joga luz sobre a riqueza da história. Em tempos de museus pegando fogo, nunca é demais relembrar vontades do passado que moldaram as grandes coleções do presente. Lado a lado no Ibirapuera, MAM e MAC parecem fazer aqui um manifesto político pela união de seus acervos.

MAM 70

Museu de Arte Moderna, pq. Ibirapuera, portão 3. Abre nesta terça (4), às 19h. Ter. a dom.,

10h às 17h30. Ingr.: R$ 7

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No alto, fotografia de Mauro Restiffe; ao lado, obra de Geraldo de Barros, ambas agorano MAM

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