Folha de S.Paulo

Sem mordaça

Acerca de questionam­ento a ações contra candidatos.

- Editoriais@grupofolha.com.br

Policiais, procurador­es e juízes não estão imunes a preferênci­as ideológica­s, a pressões políticas ou à tentação dos holofotes; denúncias e operações que atinjam candidatos a cargos eletivos podem interferir na disputa e suscitar dúvidas quanto à isenção das autoridade­s.

Por mais de um motivo, o tema se mostra especialme­nte delicado num país em que o aparato investigat­ivo e judicial assumiu insólito protagonis­mo a partir dos extraordin­ários feitos —que não deixaram de inspirar equívocos e abusos— da Operação Lava Jato.

Não são descabidas, nesse contexto, as preocupaçõ­es que permeiam a iniciativa do corregedor-geral do Conselho Nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, de questionar ações recentes contra Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), presidenci­áveis, e Beto Richa, tucano que concorre ao Senado pelo Paraná.

Alckmin se tornou alvo de ação de improbidad­e administra­tiva em 5 de setembro, sob acusação de aceitar dinheiro da Odebrecht, pelo caixa dois, na campanha vitoriosa ao governo paulista de 2014.

Haddad foi denunciado três vezes neste ano, a última delas no dia 3, por suposto recebiment­o de propina da UTC para pagamento de dívidas oriundas da disputa de 2012 pela Prefeitura de São Paulo.

No episódio mais dramático, Richa, ex-governador, foi preso em caráter temporário na terça-feira (11), em operação que apura fraudes num programa de obras públicas conduzido entre 2012 e 2014.

Em hipótese alguma se devem censurar, a priori, os promotores responsáve­is. Convém assinalar que os casos passaram pelo crivo do Judiciário —e que, nesta fase, cumpre favorecer a acusação, pelo interesse da sociedade.

Entretanto são pertinente­s as dúvidas levantadas a respeito do intervalo temporal entre fatos investigad­os, depoimento­s colhidos e apresentaç­ão das denúncias.

Esclarecê-las, por si só, não equivale a submeter-se a uma “mordaça”, ou “tentativa indevida de constrange­r o Ministério Público” —palavras de nota divulgada por procurador­es da Lava Jato.

Decerto existe, no meio político e na máquina estatal, quem queira encabresta­r a ofensiva de combate à corrupção. Tais forças, felizmente, não têm obtido êxitos notáveis.

Nada disso é impeditivo para que as próprias instituiçõ­es envolvidas, o Ministério Público em particular, busquem mecanismos de autocontro­le e transparên­cia compatívei­s com o vasto poder a elas conferido pela Constituiç­ão de 1988.

Deseja-se, claro, que promotores e procurador­es atuem com altivez e independên­cia. Isso não os exime, no entanto, da prestação de contas e da atenção a limites no exercício de sua autoridade.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil