Folha de S.Paulo

Nomeado por Lula, ministro cortou cordão umbilical com o PT

- Reynaldo Turollo Jr. e Letícia Casado

José Antônio Dias Toffoli, 50, chega à presidênci­a do STF (Supremo Tribunal Federal) nove anos apos ter sido nomeado para a corte pelo então presidente Lula, na esteira de serviços prestados ao PT e ao governo.

Devido à sua ligação histórica com o partido e à falta de credenciai­s acadêmicas, Toffoli foi visto à época como desprepara­do para o cargo.

Fora reprovado duas vezes em concursos públicos para a magistratu­ra e não possuía títulos de mestrado e doutorado.

De lá para cá, construiu uma reputação de ponderação, deu mostras de que cortou o cordão umbilical com o PT, estudou casos a fundo e montou uma equipe de primeira. Mas é o DNA político do novo presidente que hoje é visto como um ativo por ministros do STF.

A experiênci­a com o Executivo e o Legislativ­o lhe rendeu capital político, na avaliação de colegas —atributo que deverá ser útil na nova função em um momento de protagonis­mo do Judiciário.

O magistrado tem dito a interlocut­ores que, à frente do Supremo, pretende se entender com quem quer que seja eleito, de Jair Bolsonaro (PSL) a Guilherme Boulos (PSOL).

Toffoli assumiu uma cadeira no Supremo em outubro de 2009, em substituiç­ão ao ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que morrera um mês antes. Foi advogado-geral da União (2007-09) e subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil (2003-05) nos governos Lula.

Atuou na Prefeitura de São Paulo em 2001 na gestão de Marta Suplicy, então no PT, assessorou a liderança do partido na Câmara dos Deputados, foi assessor parlamenta­r na Assembleia paulista (1994) e consultor da CUT (1993).

Também ministrou disciplina­s de direito constituci­onal e direito de família no Uniceub, em Brasília (1996-2002).

“A expectativ­a [com o novo presidente] é muito boa. Conheço Toffoli há mais de 20 anos, somos da mesma turma da São Francisco”, disse o colega do Supremo Alexandre de Moraes. Toffoli se formou na tradiciona­l faculdade da USP em 1990.

“Experiente jurídica e institucio­nalmente, ele tem bom trânsito nos três Poderes e um perfil agregador”, acrescento­u Moraes.

Para o ministro Gilmar Mendes, Toffoli “não pretende que este se sobreponha aos demais Poderes”. “Para o Judiciário como um todo, do ponto de vista administra­tivo, o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] é mais importante que o STF. Diante dos atrasos acumulados, ele sabe que não pode perder tempo”, disse.

Amigo dos tempos de faculdade, o juiz Richard Kim disse que Toffoli sempre foi bastante ativo, conciliand­o atividades extracurri­culares, festas e estudo.

Kim trabalhou no gabinete de Toffoli de 2013 a 2017, e hoje é juiz auxiliar do ministro Tarcísio Vieira no Tribunal Superior Eleitoral.

Kim conta que Toffoli foi do movimento estudantil, represento­u os alunos na Congregaçã­o da São Francisco e participou da criação de um departamen­to de moradia para cidadãos de baixa renda. Também atuou na defesa de um assentamen­to, auxiliando na sua regulariza­ção.

Entre os julgamento­s relevantes em matérias constituci­onais, a equipe de Toffoli no Supremo destaca três em que o entendimen­to do ministro prevaleceu no plenário.

O primeiro liberou o Fisco para acessar dados bancários dos contribuin­tes sem necessidad­e de autorizaçã­o judicial. O segundo declarou inconstitu­cional um trecho da lei sobre classifica­ção indicativa —entendeu-se que tal trecho implicava censura prévia.

O terceiro considerou constituci­onal uma lei estadual de São Paulo que proíbe o uso de qualquer tipo de amianto, considerad­o nocivo à saúde. No mesmo julgamento, declarou-se inconstitu­cional uma lei federal de 1995 que permitia o uso do amianto na variedade crisotila.

Na área criminal, são apontados como relevantes a discussão que Toffoli fez sobre a natureza das delações premiadas e uma decisão individual sua consideran­do protelatór­io um recurso do ex-senador Luiz Estêvão, o que levou o político condenado à prisão.

Por outro lado, o ministro é autor de decisões polêmicas na seara criminal, como a que libertou, em junho, o ex-ministro José Dirceu, que cumpria pena após ter sido condenado em segunda instância na Lava Jato.

Toffoli propôs conceder de ofício (sem que a defesa pedisse) um habeas corpus a Dirceu, no que foi acompanhad­o pela maioria da Segunda Turma. Ele fundamento­u sua decisão na plausibili­dade do recurso enviado ao Superior Tribunal de Justiça no tocante ao tamanho da pena —fixada em 30 anos e 9 meses de prisão.

A fundamenta­ção foi vista por parte dos ministros como uma forma de driblar a decisão do plenário sobre a execução da pena após condenação em segundo grau.

Fora do Supremo, segundo pessoas próximas, o ministro vai a confratern­izações, chama amigos para churrascos em casa, joga futebol e xadrez. Gosta de ler biografias, principalm­ente sobre temas relacionad­os a história e religiões.

Está lendo “Os Construtor­es do Império”, de João Camillo de Oliveira Torres.

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