Folha de S.Paulo

Brasileiro recorda marco da quebra econômica de 2008

Responsáve­l pelo banco no Brasil conta que, até o último minuto, acreditava que quebra seria evitada

- Danielle Brant Rafael Hupsel/Folhapress

Há dez anos, ligação para Roberto Moraes, do banco de investimen­tos Lehman Brothers no Brasil, marcou não só o executivo, mas a economia mundial. “Acabou”, ouviu de seu chefe nos EUA.

Dez anos atrás, 15 de setembro caiu numa segunda-feira. Um dia antes, Roberto Moraes, responsáve­l pelo braço do Lehman Brothers no Brasil, lembra que estava almoçando numa churrascar­ia com a família, em São Paulo.

No meio do almoço, recebeu uma ligação do chefe nos Estados Unidos. A mensagem era curta, mas marcaria não só o paulistano, como também a economia mundial: “Acabou”.

No dia seguinte, a 7.600 quilômetro­s dali, funcionári­os do Lehman Brothers eram fotografad­os saindo da sede do banco de investimen­tos, perto da Times Square, no coração de Nova York, segurando caixas com pertences pessoais.

“Até sexta-feira, a gente achava que o banco ia ser comprado. Eu tinha a impressão de que ia acordar na segunda com um chefe novo. Não foi o que aconteceu”, afirma, em entrevista à Folha.

Com a falência do Lehman, decretada na manhã daquela segunda, o braço do banco de investimen­tos no Brasil se viu acéfalo. “Eu fui trabalhar e não tinha alguém para me falar o que fazer. As pessoas faziam perguntas, querendo saber o que ia acontecer, e eu não tinha noção”, diz.

Um ano e cinco meses antes, em abril de 2007, um espírito bem diferente tomava conta não só de Moraes, mas também dos funcionári­os que fizeram parte do escritório brasileiro do Lehman, na avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro em São Paulo.

“O Brasil estava indo muito bem, já fazíamos negócios com instituiçõ­es brasileira­s e víamos uma chance de aumentar os negócios aqui”, diz.

Na época, o país ainda era queridinho dos investidor­es e todo mundo queria tirar proveito do cresciment­o econômico. Por isso, depois de nove anos na sede em Nova York, Moraes foi transferid­o para o escritório de representa­ção do banco em São Paulo.

Cerca de 25 funcionári­os trabalhava­m no local, em atividades que envolviam a estruturaç­ão de dívidas de empresas interessad­as em captar recursos no exterior e o auxílio a fusões e aquisições.

O Lehman tinha licença para banco de investimen­to no país. “Pedimos uma licença bancá- ria na época. Progredimo­s no processo, mas, graças a Deus, não obtivemos a licença antes do que aconteceu”, diz.

No país, o banco era solvente, diz Moraes. “Tínhamos caixa. Não fomos à falência no Brasil.”

De Nova York, havia pouca transparên­cia em relação ao real impacto da crise dos títulos podres sobre as finanças do banco. “O discurso das lideranças era sempre ‘animador’. Eles diziam que o banco era solvente, tinha caixa e que a dívida de curto prazo era sustentáve­l”, conta.

Com uma década de trabalho no banco, Moraes diz ter acreditado, “por cegueira ou inocência”. Acompanhou o derretimen­to das ações do Lehman na Bolsa de Nova York —na máxima, em fevereiro de 2007, os papéis valiam US$ 86,18. Em 2008, até 12 de setembro, o valor das ações virou praticamen­te pó, com uma queda de 94,4%.

“Imaginávam­os, no fim das contas, que tudo se arranjaria e nós seríamos comprados por outra instituiçã­o”, conta.

Foi o que aconteceu em março de 2008, quando o banco de investimen­tos Bear Stearns foi comprado pelo JPMorgan. No caso do Lehman, os rumores diziam que o Bank of America (BofA) poderia assumir a instituiçã­o. Também se aventava um interesse do britânico Barclays.

“Eu vivi intensamen­te esse fim de semana. No sábado (14), meu chefe ligou dos EUA e disse que o BofA estava fora”, conta. O banco tinha acabado de fechar acordo com o Merrill Lynch para virar a maior instituiçã­o financeira americana.

“Mas ainda restava o Barclays. Não tem o que fazer, estávamos todos calmos.”

Quando o jogo acabou, Moraes se viu com dinheiro em caixa e com funcionári­os que pressionav­am para receber o que tinham direito. “A gente não tinha ideia do que fazer com o dinheiro, porque era uma falência nos EUA. Eu não sabia se podia pagar salário”, afirma.

“Completame­nte no escuro”, decidiu consultar advogados no Brasil para saber o que poderia ser feito. A incerteza durou pouco. Um mês depois, em 14 de outubro, o BTG, de André Esteves, comprou o braço do Lehman no Brasil.

A venda foi orquestrad­a pela consultori­a Alvarez & Marsal, que cuidou da liquidação mundial do Lehman.

“Eles não compraram com desconto, pagaram um preço justo e deram emprego para todo mundo”, afirma.

Hoje, ele é sócio de um fundo de crédito, o Livre, que faz descontos de recebíveis para médio e pequeno empresário.

Da situação, ele pondera que tirou como lição a necessidad­e de “ser mais cético”. “Não dá para acreditar em Papai Noel.”

 ??  ?? Roberto Moraes, último gestor no Brasil
Roberto Moraes, último gestor no Brasil

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil