Folha de S.Paulo

Governo engaveta pesquisa de R$ 7 mi sobre uso de drogas

Foram ouvidas 17 mil pessoas; gestão Temer alega problemas de metodologi­a

- Ana Estela de Sousa Pinto

Uma pesquisa que detalha o uso de drogas em todo o país, a um custo de R$ 7 milhões, está há dez meses engavetada pelo Ministério da Justiça. Segundo o órgão, a demora na divulgação se deve a alteração de metodologi­a em relação a outros estudos.

A um custo de R$ 7 milhões, pesquisa sobre drogas realizada com 17 mil entrevista­s em todo o Brasil está há dez meses engavetada pela Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), do Ministério da Justiça.

O estudo, encomendad­o pela Senad em 2014 e entregue em novembro passado, mapeia e detalha o uso de drogas no país e, pela primeira vez, inclui áreas rurais e de fronteira. Foi realizada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que venceu o edital, e envolveu 400 profission­ais — entre pesquisado­res da área de epidemiolo­gia e estatístic­a, entrevista­dores de campo e equipe de apoio.

A demora na divulgação já virou alvo de investigaç­ão do Ministério Público Federal, em inquérito aberto em abril pela Procurador­ia Regional dos Direitos do Cidadão.

Segundo o Ministério da Justiça, os resultados não foram divulgados ainda porque houve “alteração da metodologi­a usada, que pode compromete­r a comparação de dados com os levantamen­tos anteriores”. Mas a metodologi­a utilizada, segundo a Fiocruz, foi a mesma que consta do edital: equivalent­e à da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios, do IBGE).

A Fiocruz não pode divulgar documentos sobre a pesquisa sem autorizaçã­o da Senad.

O levantamen­to engavetado pelo governo traz dados sobre hábitos de uso de 17 tipos de entorpecen­tes —entre eles, os opiáceos, que têm provocado epidemia de overdoses nos Estados Unidos e sobre os quais não há informação recente no Brasil.

A pesquisa levanta as consequênc­ias do uso pesado de álcool, cigarro e drogas em campos como justiça, envolvimen­to com a violência, saúde física e mental, vida profission­al, estudantil/acadêmica, situação financeira e relações familiares e sociais.

Para especialis­tas da área, a falta de informaçõe­s já prejudica a formulação de políticas públicas.

Um dos impactos é na comissão de juristas que trabalha na atualizaçã­o da Lei de Entorpecen­tes (de 2006) e do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

O trabalho, que começou no final de agosto, está sendo feito sem acesso aos dados mais recentes —o último levantamen­to nacional sobre drogas no Brasil foi feito em 2012.

“Se há questionam­entos técnicos, eles deveriam ser detalhados pelo ministério, junto com a divulgação dos dados”, afirma o advogado e professor de direito penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini, que integra a comissão.

No mês passado, o deputado federal Paulo Teixeira (PTSP) também requisitou à Senad o envio do levantamen­to, para “subsidiar propostas de políticas públicas nas áreas de saúde, assistênci­a social e segurança”.

“Esconder essa informação é uma maneira de não pautar o debate”, diz a especialis­ta em segurança pública e política de drogas Ilona Szabó de Carvalho, colunista da Folha. “Sem conhecer os dados, a sociedade não pode avaliar se as medidas do governo fazem sentido nem cobrar ações efetivas.”

Para a cientista política, a pesquisa deveria estar orientando a discussão, atualmente em curso no Supremo Tribunal Federal, sobre a não criminaliz­ação do porte para consumo de drogas.

“Há hoje uma distorção no uso da polícia para apreender usuários”, afirma Ilona.

Estudo do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro mostra que, em 2015, policiais apreendera­m 12 mil usuários de drogas, ou 33 por dia. “São recursos públicos que deveriam estar indo para a saúde, para tratar os dependente­s. Principalm­ente agora que os estados estão falidos.”

 ?? Danilo Verpa - 10.mai.17/Folhapress ?? Ação da GCM na cracolândi­a, em SP
Danilo Verpa - 10.mai.17/Folhapress Ação da GCM na cracolândi­a, em SP

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil