Folha de S.Paulo

Deitar e sambar

- Alvaro Costa e Silva

É uma das imagens do ano. E, fugindo à rotina de enganos, frustraçõe­s e tristezas, para não dizer desgraças, retrata um belo momento. Mesmo que exprima certa melancolia. Vamos a ela:

Vestida com o amarelo de Oxum e acompanhad­a do grupo Fundo de Quintal, Beth Carvalho canta o samba-batucada “Ô, Isaura”, de Rubens da Mangueira. Até aí nada demais, se ela não estivesse languidame­nte deitada numa chaise longue, peça dos anos 1940 que pertenceu à soprano Nadir de Mello Couto e faz parte do acervo do Rio Scenarium, misto de antiquário e casa de espetáculo­s que fica na rua do Lavradio, no Centro do Rio.

A cena ocorreu no dia 1º de setembro no palco do KM de Vantagens Hall (será que não dava para arrumar um nome menos esdrúxulo?), na Barra. Não havia outro jeito: aos 72 anos, Beth sofre com fortes dores na coluna desde 2006. Na mais longa crise, a inflamação óssea a levou a ficar internada por 18 meses. Mas bateu fundo a vontade de comemorar os 40 anos de lançamento do disco “De Pé no Chão”, marco do samba com molho diferente surgido no quintal do clube Cacique de Ramos.

Na década de 1970, Beth Carvalho chegava à rua Uranos causando sensação a bordo de um Puma conversíve­l. Ali se processava uma revolução musical, com direito a instrument­os adaptados pelas mãos de Sereno (no repique), Ubirany (no tantã), Bira Presidente (no pandeiro) e Almir Guineto (no banjo), e com as composiçõe­s do mesmo Guineto, Neoci, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Luiz Carlos da Vila e Jovelina Pérola Negra, que descobrira­m nova roupagem para o tradiciona­l partido alto. Beth percebeu tudo na hora, levou o pessoal para o estúdio e virou madrinha.

Você ainda tem duas chances de ver a cantora na cama: dia 28, em São Paulo, e dia 6 de outubro, em Belo Horizonte. “Ô, Isaura, pega na viola/ O samba é bom/ Não vai terminar agora”.

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