Folha de S.Paulo

Não Um modelo que o Brasil não deve copiar

Indicadore­s mostram que resultados são negativos

- Silvia Ramos e Anabela Paiva Coordenado­ras do Observatór­io da Intervençã­o – Universida­de Candido Mendes

Sete meses após o decreto presidenci­al que instaurou a intervençã­o federal na segurança do Rio de Janeiro, um balanço da experiênci­a confirma as críticas e preocupaçõ­es manifestad­as naquela época.

O uso do dispositiv­o constituci­onal “intervençã­o”, em si, é problemáti­co: trata-se de uma medida de força, que pode ser acionada pelo Executivo federal contra governos estaduais. Mesmo quando limitado a uma área específica da administra­ção, como a segurança pública, o recurso retira poderes de governador­es eleitos e os transfere para um intervento­r, que responde exclusivam­ente ao presidente da República.

No experiment­o do Rio, há um agravante: o intervento­r é um general do Exército. A entrega do comando da segurança pública às Forças Armadas tem sido uma aventura amarga em alguns países, além de evocar o sombrio período da ditadura militar brasileira.

Em relação aos indicadore­s de segurança pública, os resultados dos meses de intervençã­o no Rio são negativos. As mortes violentas se mantêm nos mesmos patamares altíssimos: houve uma redução de apenas 1,6% no estado, e cresciment­o explosivo em algumas regiões (46% na Costa Verde, por exemplo).

Os tiroteios se multiplica­ram em 41%, e os roubos de rua aumentaram 1,3%. Um fator especial de preocupaçã­o é a expansão em 48% das mortes decorrente­s de ação policial —em Niterói e região, o aumento foi de 90%. A escalada desses registros sugere uma orientação permissiva aos agentes nas ruas. As 457 operações policiais monitorada­s pelo Observatór­io da Intervençã­o nesses sete meses envolveram uma quantidade inédita de agentes (185 mil) e tiveram baixa produtivid­ade: apenas 263 fuzis foram apreendido­s.

A redução do crime de roubo de cargas coloca em questão a estratégia em curso. Por quanto tempo será possível sufocar assaltos, ao custo de operações estimadas em milhões de reais, sem o necessário investimen­to em investigaç­ão e inteligênc­ia para a desarticul­ação de quadrilhas de receptação?

Além dos números, o que está sob análise é o modelo da intervençã­o federal sob o comando do Exército. Um modelo que não criou um sistema eficiente para gerir a segurança no estado. Em vez disso, a intervençã­o está levando ao extremo políticas que o Rio já conhece: a abordagem dos problemas de violência e criminalid­ade a partir de uma lógica de guerra, baseada no uso de tropas de combate e grandes operações.

Políticas de segurança que estimulam confrontos e tiroteios resultam em sinal verde para que os agentes de segurança atirem e matem; geram cotidianos traumático­s, especialme­nte para os moradores das favelas; e, na prática, liberam maus policiais para a prática de chacinas.

Na Rocinha, em março, oito pessoas foram mortas por policiais; na Cidade de Deus, em maio, houve quatro vítimas; na Maré, em junho, foram seis mortos, inclusive Marcos Vinícius, de 14 anos. Essas mortes, assim como o assassinat­o de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, continuam sem explicação e sem a punição dos responsáve­is. São marcas da intervençã­o.

Nos sete meses sob intervençã­o, o Rio tem visto pouco estratégia­s de inteligênc­ia, diálogo com a população, cuidado com a vida nas favelas e redução das mortes como primado absoluto da segurança. Até aqui, este é um modelo que o Rio não deve prorrogar e o Brasil não deve copiar.

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